“Vamos aprovar a Zona Franca também no Senado”
Parlamentar fala como foi difícil enfrentar representantes da indústria paulista na Câmara
Numa conversa franca, o deputado federal Sebastião Rocha (PDT), o Bala, faz um histórico sobre o lento e difícil processo de discussão e aprovação do projeto que cria a Zona Franca de Macapá e Santana, uma vitória importante para o futuro do Amapá, que aconteceu na última quinta-feira no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. Agora, o projeto segue para ser apreciado pelos senadores, mas até isso a nossa bancada federal já teria articulado, para garantir que o projeto não sofra alterações, o que forçaria o retorno à Câmara e assim perdermos mais tempo e correndo o risco de que tudo volte à estaca zero. Acompa-nhe os principais trechos, excluvivo para o Diário do Amapá.
"Mas como o presidente Sarney tem grandes amizades e muito prestígio no Senado, além do senador Gilvam, que é bem articulado, vamos acabar conseguindo aprovar do jeito que saiu da Câmara."
Diário do Amapá - Fazendo um histórico do projeto da Zona Franca de Macapá, podemos dizer que ele agora voltará ao Senado Federal, onde ele nasceu não é mesmo?
Sebastião Bala Rocha - Primeiro devo destacar que o projeto originalmente é do senador José Sarney. Em todas as minhas entrevistas, por uma questão de justiça e para resgatar também essa história que começou no Senado, quando fui o relator do projeto, por volta do ano 2000, quando conseguimos sua aprovação, por unanimidade, depois de muita luta, muita conversa e entendimento na Casa, sempre coordenado pelo presidente Sarney, mas com a nossa articulação, com os outros líderes e demais senadores.
Diário - Depois disso o projeto foi para a Câmara dos Deputados. O que aconteceu lá?
Bala - Nesse período todo em que ficou lá foi relatado pelo deputado Davi, que sempre teve um esforço grande, mas não conseguiu avançar, pois precisava de um acordo de líderes e havia um entendimento de que o projeto para ser aprovado teria que passar por esse acordo de líderes para poder ir a plenário, o que nunca foi possível. Em 2003 o governador Waldez Góes foi à Brasília, num grande esforço junto com o senador Sarney e deputados. Em 2006, quando eu ainda não era deputado, por pouco o projeto não era votado, mas assim que cheguei lá, em fevereiro de 2007 o projeto estava parado, quando este mesmo projeto do senador José Sarney passou para a relatoria da deputada federal Fátima Pelaes. Ela também, com o compromisso que tem com o Amapá, se esforçou, trabalhou muito chegando a aprovar o projeto em novembro na Comissão da Amazônia, mas ele ainda seguiu uma longa caminhada dentro da Câmara até chegar ao plenário.
Diário - E o que foi feito a partir de então?
Bala - Surgiu o projeto novo, que teve a mesma base do projeto do senador Sarney, na verdade é o mesmo projeto, pois eu, inclusive, pedi autorização dele para transformar o projeto em uma Emenda a uma Medida Provisória do presidente Lula, pois percebia que havia clima para se fazer um acordo de lideranças para votar o projeto então a saída era criar um atalho. Então foi através da Medida Provisória. A estratégia então foi ficar atento a qualquer MP que tivesse alguma semelhança com assunto de tributação ou facilitação fiscal. Foi então que veio a MP dos Sacoleiros, a Medida Provisória 431/2007, que estabelece regime de tributação única para os importados do Paraguai, para tirar as pequenas empresas da informalidade.
Diário - Qual a brecha para incluir nela o projeto da nossa Zona Franca, deputado?
Bala - Percebemos naquele momento que era chegada a hora de nós batalharmos e ressuscitarmos o projeto do senador Sarney lá na Câmara dos Deputados, então apresentei a Emenda à Medida Provisória. Conversei muito com o senador Sarney e com o restante da bancada e conseguimos avançar na articulação, nas conversas com o líder José Múcio na Câmara, puxando-o para o nosso lado e que hoje é o ministro das Relações Institucionais. Todos ajudaram, o deputado Jurandil, que trabalhou muito, Milhomem, Dalva, Fátima, Lucenira, Davi e ouvimos de José Múcio as garantias, desde que o Governo Federal desse o aval, leia-se Receita Federal, Ministério da Fazenda, quando então nós, mais uma vez liderados pelo presidente Sarney, fomos à Secretaria da Receita Federal e o senador Sarney falou direto com o ministro Guido Mantega, com o secretário-geral da Receita Federal, doutor Rachid e então nasceu um novo texto, com a saída da minha Emenda e entra um novo texto coletivo, de toda a bancada, nivelado com a Receita Federal e o Ministério da Fazenda, passando a ter apoio do governo na Câmara dos Deputados.
Diário - Foi então que o processo todo sofreu um novo reverso. Como foi isso?
Bala - Quando estávamos para votar o projeto, em novembro, era a vez da nossa Medida Provisória, quando o presidente Lula retirou de pauta devido à questão da prorrogação da CPMF. Com isso morreu a Medida Provisória, com ela mais uma vez nosso intento ia junto. Mas então houve um novo acordo, envolvendo toda a bancada, com a participação do governador Waldez, junto com o senador Sarney e nós conseguimos fazer com que a MP 431 fosse substituída por um projeto de lei, que o presidente Lula mandou ainda no ano passado e nós apresentamos aquele mesmo texto do acordo com a Receita Federal e com o Ministério da Fazenda, como emenda a este projeto do Executivo, o de número 2105/2007, que foi aprovado no começo da tarde de quinta-feira.
Diário - Mas para isso ainda foi preciso muita conversa não é mesmo?
Bala - Começamos novamente a construir um grande acordo para viabilizar a votação desse projeto, que foi quando surgiu então o deputado Jurandil Juarez como relator, na Comissão de Desenvolvimento Econômico, pois como conseguimos aprovação no plenário, a tramitação é em regime de urgência urgentíssima, o que significava dizer que votando as medidas provisória que trancavam a pauta, esse seria um dos primeiros itens a serem votados. E assim se deu. Na terça-feira da semana passada conseguimos votar a última medida provisória, na quarta-feira foi votado o orçamento da União e na quinta-feira se criou o clima para votar o projeto 2105, que estava apensado a um projeto do bispo Rodovalho, de Brasília.
Diário - E no plenário, como se deu o entendimento para sua aprovação?
Bala - No plenário todos nós atuamos. O deputado Davi junto ao líder dos Democratas, todos junto ao PSDB para que ele não pudesse obstruir, a deputada Dalva junto ao PT, para convencer o partido, a deputada Lucenira junto ao PR, para evitar problemas, o deputado Milhomem junto ao PC do B e eu participando também das negociações com todo o bloco, enfim, cada um de nós teve um papel decisivo.
Diário - Houve ação de senadores na Câmara?
Bala - É bom salientar que na noite de quarta-feira, quando votávamos o orçamento, o presidente Sarney foi para o plenário da Câmara dos Deputados, onde sentou lá no fundo, junto ao senador Gilvam Borges e o deputado Milhomem, além de mim e o Jurandil, para articular junto aos líderes da oposição fossem lá conversar com o senador Sarney até para atender a um pedido dele para não obstruir e assim aconteceu. Como era uma sessão do Congresso Nacional, estavam lá senadores e deputados, o que ajudou muito, porque o senador Sarney falou com Antônio Carlos Magalhães Neto, líder dos Democratas, com José Aníbal, que é líder do PSDB, com Sérgio Guerra, que é presidente nacional do PSDB e com Júlio Seneguini, que representa o setor da indústria de São Paulo, especialmente da área de perfumaria, então ele era contra o projeto, por entender que atrapalhava, na visão dele, a indústria de São Paulo.
Diário - Que trajetória longa. Daí então os motivos para que a bancada comemorasse tanto essa vitória?
Bala - Depois de muita luta, muita conversa, muita negociação e muito argumento foi possível convencer a todas as lideranças a votar e aprovar na quinta-feira esse projeto. Essa é a história do projeto desde o Senado até a Câmara dos Deputados.
Diário - Como foi uma história de que a bancada de São Paulo apesar de reagir na quinta-feira, teria cochilado na verificação do quorum e assim permitido a aprovação?
Bala - Houve reação sim, com tentativas de obstruir a pauta, mas o acordo com os líderes prevaleceu, pois como tínhamos acertado, houve pronunciamentos contrários ao projeto, votariam contra, mas não pediriam verificação de quorum. Chegaram a ameaçar pedir a verificação para negociar uma mudança no texto, ficou difícil, mas acabou que houve o acordo, com a pequena mudança que queriam e então deixaram o projeto ser aprovado. A minha informação é de que não houve um cochilo, mas sim a concretização de um acordo.
Diário - Como foi a posição da bancada dos parlamentares do Amazonas que, em tese, seria um dos maiores interessados no projeto, devido a entendimentos de que a nossa Zona Franca concorreria com a de Manaus?
Bala - A mesma coisa. Votaram contra, fizeram discursos contra, mas não atrapalharam, do ponto de vista da verificação de quorum. A primeira grande dificuldade nossa era a oposição que queria votar contra o governo; a segunda maior foram os representantes do setor industrial; a terceira maior foram os representantes dos estados de Roraima, Acre e Rondônia, que queriam estender os benefícios para eles, chegando a espernear, digamos assim, com protestos. Mas houve acordo para deixar o projeto com as pequenas modificações que eles queriam e que no Senado, com o compromisso do presidente Sarney, não haveria modificações. Se houver, serão derrubadas na Câmara, na volta do projeto.
Como o presidente Sarney tem grandes amizades e muito prestígio no Senado, além do senador Gilvam, que é bem articulado, vamos acabar conseguindo aprovar do jeito que saiu da Câmara, pois o governo tem maioria, a não ser que haja um acordo
Diário - Então o senhor não vislumbra dificuldades para a aprovação do projeto no Senado?
Bala - Vamos enfrentar alguma dificuldade também. A oposição, que está obstruindo tudo no Senado e enfrentar de novo o setor da indústria, com seus representantes. Mas principalmente esses estados, de Roraima, Rondônia e Acre que vão querer apresentar emendas até porque vai ficar ruim para eles se explicarem em seus estados. Mas como o presidente Sarney tem grandes amizades e muito prestígio no Senado, além do senador Gilvam, que é bem articulado, vamos acabar conseguindo aprovar do jeito que saiu da Câmara, pois o governo tem maioria, a não ser que haja um acordo. O que pode acontecer é apenas prorrogar mais um pouco a votação, caso haja modificações no Senado e tenha que retornar à Câmara.
Diário - Com a aprovação da nossa Zona Franca, o que deve acontecer para que seja implantada, como por exemplo, definirmos quais área de atuação devam ser incentivadas, enfim, isso tudo passará por uma discussão com a sociedade amapaense?
Bala - Com certeza. O texto estabelece que a industrialização de produtos com matéria-prima da região, na sua preponderância, ou seja, que tenha na sua composição preponderância de matéria-prima da região, como as carteiras escolares, por exemplo, que podem ter a fórmica, podem ter ferro, alumínio, isso pode. Os sapatos, tem o couro, que é retirado da indústria agropecuária, enfim, tem o papel, a celulose, a borracha, os minerais, para a indústria das jóias; perfumaria ficou muito limitado, os cosméticos com produtos regionais somente para consumo local; o setor de siderurgia também não vai poder, mas teremos que fazê-lo através da Zona de Processamento de Exportação (ZPE), que tem um outro perfil, é para grandes indústrias para exportação e aí pode qualquer produto, vamos poder fabricar até carro aqui, eu acho.
Diário - Mas isso somente para ser vendido para fora do país, nada poderá ser vendido dentro do Brasil, não é mesmo?
Bala - Exatamente. Mas a Zona Franca poderá avançar em outros setores, como na pesca, seja de camarão, peixe, ou mesmo na carne, na industrialização de nossos frigoríficos, nas conservas, nos sucos, doces, compotas, enfim, ela terá muita potencialidade.
Diário - E o povo, como poderá ganhar dinheiro com a Zona Franca de Macapá e Santana?
Bala - Além de ganhar na geração de emprego, pelas oportunidades de trabalho com as indústrias se instalando, o Estado ganha porque fica mais rico, com o aumento do PIB, a nossa riqueza aumenta muito, então aumenta a renda per capita, com isso vamos ter que discutir com a sociedade como vamos distribuir essa renda, pois é preciso uma distribuição social dessa riqueza, para melhorar a educação, os transportes coletivos, as nossas estradas, o saneamento, a habitação, ou seja, vamos ficar um estado mais rico do que somos hoje. Se hoje temos uma receita de R$ 2 bilhões ao ano, essa receita vai aumentar muito e com isso vamos poder melhorar também os serviços públicos.
o Estado ganha porque fica mais rico, (...) então aumenta a renda per capita, com isso vamos ter que discutir com a sociedade como vamos distribuir essa renda, pois é preciso uma distribuição social dessa riqueza, para melhorar a educação, os transportes coletivos, as nossas estradas, o saneamento, a habitação.
Diário - Isso não pode trazer de volta o problema do fluxo migratório para o Estado?
Bala - Temos que estar preparados também para isso. Certamente iremos receber uma pressão migratória sim, mas com a expansão das nossas riquezas e o aumento de nossa arrecadação, é importante que o planejamento estratégico possa prever também a distribuição dessa riqueza nessas áreas sociais.