Por Elaine Rodrigues*
Constituição Federal vigente, no seu artigo 6º, conferiu à moradia o "status" de direito fundamental. Assim sendo, caracterizado um bem como de família, para a moradia dessa célula da sociedade, a impenhorabilidade desse bem é de rigor. Em análise de incidente de uniformização de jurisprudência, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, na Apelação Cível nº 106059-9/188-2006 04021130, decidiu afastar a possibilidade de penhora de único imóvel de fiador em contrato de locação, com fundamento no direito fundamental e social do cidadão à moradia. Referida decisão foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça. No mesmo sentido, existem decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde destacamos a Apelação Cível n. 856276, da 34ª. Câmara de Direito Privado, relator Desembargador Rosa Maria de Andrade Nery, julgamento de 27.04.2005, votação unânime. Interessante decisão do Superior Tribunal de Justiça se perfez no julgamento do Resp 1.178.469-SP, quando o Ministro relator Massami Yeda, admitiu que mesmo um imóvel de luxo, desde que destinado a moradia da família, pode ser beneficiado pela regra da impenhorabilidade do bem de família, considerado o cunho social que à moradia foi dado na Constituição Federal de 1988. E muito singular foi a decisão do Resp n. 450989-RJ, relator Mi-nistro Humberto Gomes de Barros, 3ª. Turma, julgado em 13.04.2004, que declara também ser impenhorável, por efeito do quanto expresso na Constituição Federal, o imóvel em que reside sozinho, devedor solteiro. Foram as palavras do Ministro: "Não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão." Observa-se então, que é uma tendência dos Tribunais, conferir efetividade ao preceito constitucional versado no art 6º: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados na forma desta Constituição". Bem da família, na categoria de direito fundamental, é um direito irrenunciável, portanto, qualquer ato do proprietário que implique em sua renúncia é tido como inválido. O escopo da Constituição Federal é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: a moradia. Ampara-se pela moradia o indivíduo, a família, constituindo-se um direito de segunda geração, conforme os doutos em Direito Constitucional. Não se ampara o direito de propriedade, mas a utilização do imóvel em proveito da família. Nessa linha teleológica de interpretação, também é impenhorável imóvel que, malgrado não destina-se à moradia do devedor, está locado com a finalidade de complementar a renda familiar e, dessa forma, sirva a locação respectiva, para cobrir o aluguel de outra moradia para a família (Resp 1.035.248 - 4ª. Turma, 2009). Se um imóvel é usado de forma mista, para a moradia da família e ocupado por um pequeno empreendimento comercial ou pequena empresa do grupo familiar, também é alcançado pela impenhorabilidade. No caso, o benefício da impenhorabilidade tem em vista os fins sociais a que a moradia se destina. Expropriar esse bem pela penhora, seria o mesmo que alienar um bem de família (Resp 621.399, Ministro Luiz Fux, 2009). Embora especialistas em Direito Imobiliário divirjam sobre essa questão, notadamente por conta da Lei do Inquilinato que possibilita a penhora de único bem imóvel de fiador no contrato de locação, é certo que a casa própria de uma família é impenhorável e qualquer orientação jurisprudencial ou legislativa contrária é, manifestamente, inconstitucional.
* Elaine Rodrigues é advogada e consultora empresarial.
Você Sabia?
Que a Lei da Impenhorabilidade foi iniciativa do presidente Sarney, em 1990, e mantém ainda hoje sua eficácia contra a perda da casa própria no caso de dívidas?
Poucos dias antes de entregar a Presidência da República a seu sucessor, José Sarney editou uma medida provisória, posteriormente convertida na lei nº 8.009/90, que impede a penhora, por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, do imóvel em que a família reside, se próprio, e todos os equipamentos e móveis existentes na casa. A Lei da Impenhorabilidade dos bens de família, ou ainda Lei Sarney, como se tornou conhecida, tem até hoje sido efetiva para evitar a perda da casa própria em caso de dívidas. A lei em questão abre exceções à impenhorabilidade, tais como os veículos de transporte, as obras de arte e as penhoras relativas à execução de dívidas decorrentes de pensão alimentícia, de construção ou de tributos do próprio imóvel e de débitos para com empregados domésticos que operam no endereço. “É o chamado homestead”, explica o atual presidente do Senado ao se referir à Lei da Impenhorabilidade. O instituto, referido por Sarney, é conhecido no Direito Internacional como a residência da família, possuída, ocupada, consagrada, limitada, impenhorável e, por diversas formas, inalienável, conforme o estipulado nas leis de cada país. A garantia de impenhorabilidade da casa própria nasceu nos meados do século XIX, no Texas, antes de sua incorporação aos Estados Unidos, tendo se espalhado por todo o território norte-americano devido à grave crise econômica gerada pela Guerra de Secessão, que levou grande faixa da população à bancarrota. Aqui no Brasil, no começo da década de 90, com a inflação a todo vapor e o fracasso dos planos econômicos, muita gente também não conseguia honrar suas dívidas e acabava sendo empurrada para o aluguel ou para casa de parentes, após ser despojada de sua propriedade. A legislação surgiu então com o principal objetivo de dar proteção legal ao devedor insolvente, sem proteger aqueles que, conscientes de sua incapacidade de saldar compromissos, adquire imóvel de grande valor e para lá transfere a sua residência familiar. Sarney relata que ao longo da sua vida, depois que deixou a Presidência da República, inúmeras pessoas já lhe agradeceram pela criação da Lei da Impenhorabilidade. “Às vezes, me dizem chorando que sem essa legislação teriam perdido a sua casa, a casa da família, aquele bem onde residem, que é o único bem que possuem”, disse o presidente do Senado. “Na medida provisória, depois transformada em lei, nós colocamos também a impenhorabilidade dos instrumentos de trabalho, ou seja, não se pode penhorar aquilo com que a pessoa ganha o seu pão de cada dia. Essa proteção foi também um avanço extraordinário”, ressalta o presidente do Senado. Sarney conta que, logo quando a Lei 8.009 foi editada, setores ligados a associações bancárias questionaram, perante o Supremo Tribunal Federal, a sua inconstitucionalidade argumentando que não poderia haver isenção de bens, de qualquer natureza, para penhora de dívida. Mas os ministros do STF decidiram que a legislação era absolutamente constitucional. Em 2006, a lei foi ameaçada com um projeto que previa alteração em alguns dispositivos do Código de Processo Civil, relativos ao processo de execução de dívidas. As mudanças iriam permitir a penhora do imóvel residencial com valor superior a 1.000 salários mínimos, bem como até 40% dos salários recebidos mensalmente, acima de 20 salários mínimos. Sarney se empenhou em manter a integralidade da Lei da Impenhorabilidade e solicitou diretamente ao presidente Lula, que vetasse as alterações que seriam introduzidas nos parágrafo 3º do Artigo 649 e no único do 650 do CPC e que derrubariam a principal conquista da Lei 8.009/90. “Fiz um apelo ao presidente Lula para que vetasse esses dois parágrafos que tinham passado aqui no Congresso quase que secretamente, quase que clandestinamente, porque ninguém soube, o assunto não foi discutido, pois estavam embutidos dentro de um outro projeto”, relembrou Sarney. (...)