quarta-feira, 30 de maio de 2012

Demóstenes confessa quebra de decoro

Senador admitiu crimes menores, como o uso de Nextel pago por Cachoeira, para tentar se livrar de acusações mais graves

O Globo - 10 / Maria Lima e Isabel Braga

Nas mais de duas horas em que colocou em prática um de seus talentos, a boa oratória, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) fez uma defesa competente - arrogante em alguns momentos, a despeito do discurso humilde do início quando falou sobre depressão e Deus. Mas acabou confessando quebra de decoro parlamentar em vários momentos: ao assumir que usou aviões de empresários, que Carlinhos Cachoeira sempre pagou a conta do rádio Nextel que ganhou dele, e ao confirmar que o bicheiro pagou também fogos de artifício para a festa de formatura da mulher Flávia. Mesmo tendo reafirmado em sua exposição, no Conselho de Ética do Senado, que mantinha com Cachoeira relação constante de amizade, no final disse que se sentiu traído por ele, por não saber que era contraventor.
Demóstenes mostrou defesa bem construída tecnicamente, mesclando frases de efeito. Ao fim do dia prevalecia no Senado a impressão de que ele poderá se salvar no plenário, no voto aberto. O senador disse que só estava ali ontem porque tivera um reencontro com Deus; e se disse deprimido e muito sofrido, dormindo à base de soníferos que não fazem efeito. Questionado pelo senador Aníbal Diniz (PT-AC) se era uma estratégia para sensibilizar a opinião pública e os senadores, Demóstenes disse que não usaria Deus como estratégia.
- Nunca sofri tanto na minha vida. Sou um homem que tenho vergonha na cara. Levei um mês para criar coragem de voltar ao Senado e olhar na cara dos senadores. Ninguém pode usar o nome de Deus como estratégia de defesa. Sou um carola, senador! Já era por causa da minha mãe. Confesso que nesse tempo fiquei meio perdido.
Sempre assistido pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e um auxiliar, Demóstenes disse ser alvo de conluio, conspiração do Ministério Público e de delegados da Polícia Federal para pegar um parlamentar, destruí-lo e criar um Estado policialesco. Disse que as provas colhidas são ilegais e que duvida que o Supremo Tribunal Federal acolha o processo.
- Eu tenho condições de enfrentar todas as acusações no mérito. Todas as perguntas. Mesmo as de supetão - respondeu Demóstenes ao relator Humberto Costa (PT-PE).
A avaliação dos senadores é que Demóstenes adotou a estratégia de confessar crimes menores, admitindo que feriu o decoro, mas ressalvando que não há provas de que integrava a organização criminosa; que não corrompeu; e não recebeu dinheiro sujo do jogo nem do poder público. Kakay resumiu o sentimento dos dois ao final:
- Sinceramente, tomar este fato (o Nextel pago por Cachoeira) como base para dizer que há quebra de decoro e cassar um mandato de um senador, no meu ponto de vista, é muito.
Na inquirição firme de Humberto Costa, o senador Demóstenes confessou que Cachoeira não só lhe deu o Nextel como pagava a conta. Num diálogo duro com o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), acabou admitindo que foi um comportamento inadequado para um senador.
- Como pode um senador da República ter um telefone pago por quem quer que seja? - perguntou Randolfe.
- Qual a falta de decoro? Uma conta de R$ 40, R$50 por mês - respondeu Demóstenes.
- Um real que seja! Ainda mais se tratando de um contraventor de conhecimento público? Acha normal ter a conta paga por ele? - disse Randolfe.
- Não teve conotação de pagamento. Me foi dado pela facilidade de falar - prosseguiu Demóstenes.
- Mas não foi só dado o celular! As contas foram pagas! - insistiu Randolfe.
- Tem razão, Vossa Excelência& - rendeu-se Demóstenes.
O senador goiano também não teve como negar lobby feito por um projeto de interesse de Cachoeira no Congresso, inquirido pelo senador Mário Couto (PSDB-AP), que fez questão de dizer o quanto o admirava antes.
- Quando Vossa Excelência diz "(o projeto) vai te pegar", é prova de que sabia que ele era contraventor. É notório - disse Couto. - Se a voz é sua, a coisa está muito atrapalhada.
O primeiro a chegar ao Conselho foi o senador Fernando Collor (PTB-AL), e mostrou que tinha como alvo o procurador-geral Roberto Gurgel.
- Está claro que o procurador-geral não sobrestou nada. Omitiu-se ou prevaricou. O senhor entende desta maneira? - perguntou Collor.
- Com certeza! Há o princípio da obrigatoriedade. Não tem o procurador o condão de dizer: não vou atuar aqui, ou, vou atuar aqui. Ele tem de pedir arquivamento se diz que não tinha indício de crime, oferecer denúncia ou pedir mais diligência. O que fez foi inação. Mais dia menos dia, vai ter de se explicar - concordou Demóstenes.
Na saída, Collor passou por Demóstenes e lhe esticou o dedão em sinal de positivo.

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