quarta-feira, 23 de maio de 2012

Foco da Comissão da Verdade: discussão inútil

Por Cel. Gilberto J. Schneider
Causa espanto a renitente discussão que tomou conta dos meios de comunicação sobre o alcance das investigações a serem procedidas pela Comissão da Verdade. A Lei 12.528/2011 que a institui e regula suas atribuições é muito clara, ao estabelecer:
Art. 1º É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.
Ora, a finalidade é esclarecer violações de direitos humanos praticadas em determinado período a fim de garantir direito à memória e à verdade histórica e promover reconciliação. Não há no texto legal exclusão de qualquer violação ou autor, assim como não há atribuição judicante, portanto não cabe à Comissão avaliar a eventual punibilidade do fato para usar como critério discriminador da investigação. Presente violação não devidamente esclarecida, deve então ser investigada.
O direito à memória e verdade histórica certamente também não admite parcialidade e exclusão. Pelo contrário, a história só pode ser completa, ampla, contemplando todos os fatos e circunstâncias que são sua própria essência, ou não teremos história e sim estórias. A própria razão de ser da Comissão é justamente trazer à luz aqueles fatos ainda não esclarecidos, portanto, excluir qualquer violação dos direitos humanos praticada no período fixado contradiz o fundamento de sua existência.
Reconciliação nacional é um termo difícil de definir e de explicar seu sentido no dispositivo legal citado. De qualquer forma, não se concebe qualquer tipo de reconciliação em que se exclui do processo qualquer parte com quem se quer reconciliar.
A tentativa de descaracterizar algumas das violações de direitos humanos ocorridas no período (mortes e mutilações de inocentes, entre outras) afronta a inteligência dos brasileiros. Como dito anteriormente, não está em questão a punibilidade dos atos e sim o esclarecimento de suas circunstâncias e autoria. Ou será que o direito à vida, à segurança e integridade dos inocentes vitimados pela esquerda não é direito destes, ou, pior, não são estes tão humanos quanto os demais? O proclamado direito à memória dos familiares das vítimas da esquerda não existe?
O editorial assinado por Vladimir Safatle na Folha de São Paulo (22/05/2012 – A2), em que este agride de forma desrespeitosa o Min. Gilson Dipp, integrante da Comissão da Verdade, é exemplo claro dessa visão distorcida. O articulista acusa o Ministro de “má-fé e constrangimento de setores da esquerda”, diante da declaração deste de que “toda violação dos direitos humanos será investigada”. Ora, o Ministro apenas repetiu o que está cristalino na Lei que institui a Comissão. Àqueles que, como Safatle, querem uma Comissão com outra finalidade, não lhes é negado o direito de lutar democraticamente por esse objetivo, mas assumindo sua posição, esclarecendo seus intentos e respeitando a sociedade.
O fato de ter sido vítima de violação de seus direitos humanos em algum momento, não descaracteriza, nem exime ninguém da autoria de violações dos direitos humanos de suas eventuais vítimas em outro momento. A morte violenta de uma pessoa inocente é e sempre será uma violação ao seu direito à vida, independente da motivação de seu algoz. Se as circunstâncias que envolvem o fato podem oferecer explicações que o justifiquem, ou excluam a reprovabilidade da sociedade ao seu autor, são questões do campo da punibilidade que não anulam o direito à vida da vítima e, portanto, precisam ser esclarecidas.
É conhecido o adágio que diz que para todo fato existem sempre ao menos 3 verdades – a minha, a sua e a verdade. De qualquer forma, não se concebe uma verdade histórica que não jogue luz sobre todos os fatos. Se a verdade que se busca é a verdade histórica, nenhum fato ou circunstância pode preliminarmente ser excluído, seja ele meritório ou demeritório para qualquer dos envolvidos no fato histórico. Se não é esse o objetivo da Comissão instaurada pela Lei 12.528/2011, que se mude a Lei e/ou a designação da Comissão
Por todos estes argumentos é forçoso concluir que a discussão sobre o alcance das investigações da Comissão da Verdade é totalmente injustificada e inócua.

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