A batalha do campo
O Brasil vive momentos importantes em muitas áreas. Há uma em que perdemos a batalha. Não é uma metáfora, mas a expressão correta e real: o mundo da violência nas periferias das grandes cidades, que estão entregues ao crime organizado e ao narcotráfico. Esse mundo é formado pelos mais pobres dentre os pobres e sobretudo os egressos do campo, expulsos pela falta de condições de sobreviver, sem condições de trabalho e sem terra. Estas populações são marginalizadas de forma dramática e tornam-se um contingente crônico de informalidade laboral, alimentando o submundo de uma guerra de alto risco de explosão social, constituindo bolsões onde o Estado exerce precariamente sua autoridade. Lamentavelmente é uma guerra perdida.O Brasil não foi capaz de realizar uma reforma e desenvolvimento agrário modernizante. As causas são antigas e intransponíveis, desde o latifúndio devorante -como dizia Aluísio Medeiros em seu poema célebre- até a incapacidade governamental de encontrar fórmulas de garantir a existência e consolidação de pequenos produtores rurais independentes.Criei o Ministério da Reforma Agrária, nome maldito àquela época, para enfrentar o problema de frente. O nome do ministério no organograma elaborado para Tancredo Neves era "de Assuntos Fundiários". Eu tentei criar uma estrutura capaz de dar solução ao problema. Duas forças estavam se organizando e uniram-se numa visão radical contra o nosso plano: o MST e a Pastoral da Terra. Eu não tinha força política nem coesão no governo para responder à gravidade do problema.Disse àquele tempo: "Não me canso de repetir que não podemos ser felizes com milhões de brasileiros que vivem no campo, trabalhadores sem terra, posseiros e todas as vítimas da violência e da exploração. Assegurar a propriedade da terra é uma decisão política de uma reparação multissecular que previne as necessidades do futuro". Cito estas palavras para mostrar que minha visão de agora não é circunstancial. Ela é uma consciência de homem de Estado e de responsabilidade social.Agora vejo que a solução que está sendo escolhida é das comissões de inquérito, de enfrentamento, de criminalização dos movimentos sociais, de demonização do MST.Esse caminho é errado. Os excessos desses grupos devem ser combatidos, mas não se pode desconhecer que estamos a repetir no campo o que se vê nas cidades. Os marginalizados são seduzidos pela guerrilha ou por atos de desespero, passando pelo crime e pelo tráfico de drogas. Veja-se alguns países da América Latina. Se perdemos a guerra nas cidades não vamos perdê-la no campo. É preciso evitar o confronto e a falsa solução da demonização. Os movimentos sociais ajudam a resolver o problema.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa
jose-sarney@uol.com.br
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