sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

José Sarney

A vez da África

Com o término da 2ª Guerra Mundial, o mundo passou por uma fase de grandes transformações, das maiores da História, com a descolonização da África. Começou com a Líbia e o Egito e foi até à década de 70, com as colônias portuguesas. Mas os grupos de libertação viraram ditaduras. De democracia, nem falar. Agora as coisas começam a mudar. No momento o continente se contorce sacudindo fora as ditaduras e buscando a democracia. Na Tunísia, no Norte da África, antiga colônia francesa e um dos primeiros países a proclamar sua independência, uma revolta popular expulsou o ditador Zine el Abidine Ben-Ali, que derrubara Habib Bourguiba em 1987. Ali fora Cartago, com seus 15 séculos de glória. O homem da independência, Bourguiba, que iniciara a luta pela independência em 1932, era considerado um dos grandes heróis da descolonização antes de, perpetuado no poder, ter o que Jean Daniel, o grande jornalista do Nouvel Observateur, chamou de “caprichos caligulianos”. Pois bem, Ben-Ali era considerado um bom aliado do Ocidente, sobretudo da França, um homem modernizador que transformara o país num paraíso turístico. De repente um vendedor ambulante, Mohamed Bouazizi, a quem a polícia tomou sua mercadoria, se imola numa cidade do interior. É o estopim para — em parte movida pelas redes sociais, Facebook, Twitter, YouTube — uma revolta exigir a mudança de governo. Em um mês, depois da polícia se mostrar impotente para deter as multidões e o exército não tomar partido, Ben-Ali abandona o país, com o avião, segundo os populares, carregado de ouro. Começa agora o trabalho de criar ali um regime democrático. As forças que derrubaram o governo não aceitam o governo de transição com membros do regime ditatorial, e querem eleições já, inclusive com a participação dos islamistas. Os analistas previram que estes ventos contaminariam o Norte da África. Começaram as manifestações, difíceis de conter apesar da interferência dos governos na internet e nos celulares, na Argélia e no Egito. Há esperança — e temor — no ar. Na Costa do Marfim, o presidente derrotado nas eleições, Gbagbo, resiste a entregar o poder ao vencedor reconhecido pelas organizações internacionais, Ouattara. Há ameaças, mas, se Gbagbo resistir, deve haver intervenção da ONU e da CEDEAO — Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental. Do outro lado do continente forma-se um novo país, o Sudão do Sul, que se chamará provavelmente Kush, e começará como um dos mais pobres do mundo, mas onde há petróleo.
A democracia chega à África. É uma hora importante para o continente e para o mundo.

José Sarney
foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.

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