A DRU e a Crise
A crise que começou em 2008 não pode ser comparada a de 1929. Há 82 anos o mundo era outro, quase um fóssil dos tempos atuais. Foi uma crise da economia americana que em ondas sucessivas provocou marolas no mundo. Hoje, bem diferente, é a dos mercados globalizados que põe em discussão as bases do capitalismo, sem horizontes para recuperação, prevista pelos otimistas para dez anos e pelos pessimistas, vinte. O Consenso de Washington (1989) foi o credo do neoliberalismo, ideias dogmáticas da doutrina do mercado absoluto que resolveria tudo e mostrou que não resolve nada. A comunicação em tempo real turbinou a globalização do mercado financeiro, criando uma economia virtual cujo valor é calculado em dezesseis vezes a economia real. O mercado, como religião que passou a ser, dominou os estados, cujas decisões passaram a ser tomadas ao sabor de suas necessidades, e estimulou a especulação. Nos anos 70 li The Rich and the Super-Richs, o livro de Ferdinand Lundberg, em que ele contava que uma fortuna de dez milhões de dólares levava uma geração para formar-se. Hoje, é coisa de meses o nascedouro de bilionários criados pelo mercado financeiro e não pelo trabalho continuado. Como exemplo, a Forbes publicou que o Brasil foi o país que mais cresceu nessa área, com 19 pessoas na lista dos quinhentos mais ricos do mundo. Mas o nosso assunto é a crise, sobretudo de confiança. Outrora os vírus e seus contágios eram exclusivos dos homens e das doenças. Hoje são dos países, das máquinas e da economia, todos tomando vacinas e investindo na prevenção. É desse contágio que temos medo. Ninguém está incólume ao mal. Nasceu da crise dos derivativos imobiliários e sua primeira vítima foi o Lehman Brothers. Daí atravessou os mares e atingiu a Europa num surto violento que derrubou não só as economias, mas cabeças dos dirigentes na Islândia, Irlanda, Portugal, Grécia, Itália, Espanha — e muitos outros candidatos estão na fila. Nesse contexto, o Brasil não está imune, embora atento, preocupado e fazendo deveres para não ser alvo da desconfiança globalizada. As bases de nossa economia são sólidas, com equilíbrio financeiro e grandes reservas. Isto foi possível com firme determinação de medidas fiscais. E a presidente Dilma tem sido segura e forte dessa tarefa, que vem na continuidade de governos anteriores. Há algumas regras que não podem ser abandonadas, como a de ter às mãos instrumentos capazes de defender-nos. A maior delas é a estabilidade financeira, que temos mantido a todo custo. Para não dar sinais de leniência desse dever, o Presidente Lula vetou a retirada do fator previdenciário. Com o mesmo senso de dever FHC criou a Lei de Responsabilidade Fiscal e, já na implantação do Plano Real, o Fundo Social de Emergência, pela qual o Estado teria à mão um eficiente instrumento fiscal num orçamento tão engessado. É do economista Raul Velloso a revelação sobre a história da DRU. Diz ele: “Fui eu quem desenvolveu a ideia de um mecanismo de desvinculação de receitas, chamado à época de ‘fundo de estabilização’. […] apresentei-a ao então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que a defendeu perante o Executivo e o Congresso.” A DRU é a vacina tomada por FHC, Lula e agora Dilma contra o contágio da crise de confiança que varre as economias mundiais e não tem nada de dar à Presidente a liberdade de fazer o que quiser com o Orçamento. É um aviso à crise: “Não vem que não tem!”.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa
jose-sarney@uol.com.br
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