sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

José Sarney

Velhos Carnavais

Quando o Carnaval se aproxima não resisto de pensar nos velhos Carnavais de São Luís. Aqueles de maisena e tapioca, dos balões cheios de urina e água colorida, para espocar manchando vestidos. Eternos carnavais, do rodó – o lança- perfume que tomou nome da marca. Não era para cheirar como droga, mas para perfumar as moças ou tentar atingir os olhos de luxúria dos que piscavam para nossas namoradas.
O Corso, que era aquele desfile do domingo saindo do Largo do Carmo (Praça João Lisboa) subindo a Rua Grande, descendo na Rua dos Remédios e percorrendo a cidade toda que era pequena, mas sem passar pelo cemitério porque era sacrilégio e desrespeito aos defuntos.
Toda São Luís na janela vendo e participando da folia, aplaudindo os caminhões de carroceria aberta, com as mulheres dos nossos bordéis, com saias redondas para fora desfilando com grande sucesso e disputa para saber qual o mais bonito. Era o carro da Lolita, da Maroca, da Honorina e outras com os rostos pintados de papel vermelho com acompanhamento dos blocos de rua, dos foliões isolados, dos bêbados felizes e as marchinhas sensuais, desde o “mamãe eu quero mamá”, até o ” siri na vara”, sem esquecer os blocos de sujos. A cidade era pobre e não tinha dinheiro para grandes fantasias. Tudo era simples, mas de uma beleza que nos fazia dar valor às coisas simples. Cada Carnaval tinha sua música predileta que vinha do Rio, onde ainda não havia o desfile feérico das Escolas de Samba.
É saudosismo? Não. É velhice? Talvez. Mas ontem como hoje o homem não mudou. A picardia era a mesma, o assédio era também aberto e naquele tempo como agora havia um feriado da moral tradicional, das hipocrisias, dos escondidinhos. Só não havia a camisinha e o aumento da natalidade só vinha nove meses depois.
E os bailes de máscara? Era chamado de “baile de segunda”, porque o de primeira era o da alta sociedade, realizados nos clubes granfinos, sendo os mais fechados o Lítero e o Casino Maranhense. Nos bailes de “segunda”, eram os clubes de ocasião, com nomes inesquecíveis: “A Gruta do Amor”, “Em Suez se briga aqui se Brinca”. Mas, neste as mulheres só podiam entrar mascaradas, de dominó, assim mesmo com direito a terem a máscara levantada por uma comissão especial que ficava escondida na entrada, num quarto separado, para que não entrassem “as mulheres da Zona”, as prostitutas, que tinham que brincar e bailar nos seus salões da Rua 28 de Julho.
Coisas daquele tempo e tudo hipocrisia. Era um libera geral, graças a Deus.
Hoje é tudo aberto e como diz Caetano Veloso, “é proibido proibir”, mas se quisemos ir mais atrás, já o Barleus, que escreveu um livro raro e fantástico sobre os holandeses no Brasil, em 1640, dizia “não há pecado debaixo do Equador”.
Eu era governador em 1966 e tinha como slogan do governo “Maranhão Novo”. Dom Felipe Conduru, bispo jubilado de Parnaíba, já velho e envolto em rezas e jejuns, que morava solitário do Pálacio do Arcebispado, me escreveu um cartão, logo depois do Carnaval: “Senhor Governador. Não fale em Maranhão Novo. Isto só ocorrerá depois do senhor acabar com a devassidão do Carnaval. Com minha benção apostólica, Felipe, Bispo emérito de Parnaíba.” Onde está Dom Felipe? No Céu, no Pavilhão das Onze Mil Virgens, velando para que não fujam no Carnaval.

José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa

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