O filósofo francês Francis Wolff é um ardoroso defensor da democracia, mas evita o romantismo ao analisar aquele que é tido como fonte e sustentáculo dos regimes democráticos:
— O povo está para a democracia como Don Juan está para as mulheres: a conquista mobiliza toda a sua energia, mas a posse o entendia – costuma observar, em tom bem humorado, aos seus alunos da Escola Normal Superior de Paris.
Autor de livros como Aristóteles e a Política e Dizer o Mundo, Wolff fará nesta quarta-feira (20) a primeira palestra do ciclo de debates Fórum Senado Brasil 2012.
Como se pode notar pela comparação em que remete ao lendário sedutor espanhol, um dos alvos da filosofia de Wolff é o apolitismo. Na opinião do filósofo, o desinteresse dos cidadãos pela política ameaça a democracia, ao fomentar entre outros males a ação do que chama de “políticos profissionais”. Livre de cobranças, esse grupo teria o hábito de aprovar ou impor medidas descoladas das verdadeiras necessidades e desejos dos cidadãos.
- Quando é governado por um tirano, o povo sonha em conquistar o poder. No entanto, ao alcançar a democracia, recusa-se a exercê-lo e abandona a política – lamenta Francis wollf, que classifica o distanciamento entre governantes e governados de “negação da democracia”.
Observador da cena política brasileira desde os anos 1980, quando lecionou na Universidade de São Paulo (USP), o filósofo vê de forma positiva o avanço no Brasil dos mecanismos de fiscalização do poder público por meio da internet.
- Cada país precisa encontrar seus próprios remédios – disse Wolff em entrevista a Ricardo Westin, do Jornal do Senado.
O que é o apolitismo?
O apolitismo é a recusa dos cidadãos, explícita ou implícita, em participar da vida da comunidade política e das escolhas que essa comunidade faz. É o desinteresse pela coisa pública. Na Europa, o apolitismo se manifesta quando o povo vota em grupos populistas e demagógicos (partidos de extrema direita, xenófobos) e quando se abstém em massa das votações. No Brasil, o apolitismo se manifesta quando os cidadãos se afastam dos políticos. Em vez de entrar no território ligado ao poder, os cidadãos se “retiram” para o território individual, familiar, religioso e até esportivo.
Por que o apolitismo é uma ameaça à democracia?
O distanciamento entre os governantes e os governados é a negação da democracia. É possível que o cidadão nem perceba que, quando ele procura “viver em paz”, sem intrometer-se nos temas públicos, a política acaba se tornando um campo exclusivo dos “políticos profissionais”. Como estão distantes do povo, esses políticos tendem a tomar medidas tecnicistas, orientadas por critérios técnicos, sem levar em consideração as opiniões, os interesses e as vontades da população. No dia a dia, o cidadão não se dá conta disso. Só percebe quando os políticos baixam alguma medida que realmente o prejudica.
O apolitismo pode levar à ditadura?
A possibilidade existe. O apolitismo cria “políticos profissionais”, políticos que não distinguem entre público e privado, políticos corruptos. Isso, por sua vez, estimula partidos populistas e demagógicos a espalhar a ideia de que todos os governantes são corruptos e que é preciso “limpar” a política. Com tais argumentos, podem instaurar a ditadura.
O que leva os cidadãos a recusar a vida política?
O individualismo. Trata-se de um paradoxo, porque o individualismo é uma conquista feliz da democracia e, ao mesmo tempo, sua principal ameaça. A democracia deixa as pessoas livres para realizar, sozinhas, seus objetivos de vida. Mas, justamente por conseguirem preencher suas necessidades sem depender de outras pessoas, elas se preocupam menos com o grupo e se afastam da política — o que abre espaço para os “políticos profissionais”.
De que forma se combate o apolitismo?
Não se trata de obrigar as pessoas a fazer política. Repito: o individualismo é uma das maiores conquistas da democracia. Trata-se de encontrar meios educacionais e institucionais que preencham a distância entre a comunidade e o poder. Pode-se reduzir o apolitismo por meio da educação para a cidadania, nas escolas, e por meio de campanhas. Há também soluções políticas, maneiras institucionais de melhorar o funcionamento da democracia. Para reduzir os votos brancos nas eleições, por exemplo, a Sérvia recentemente decidiu que, quando a porcentagem desse tipo de voto atingir certo patamar, nenhum candidato pode ser eleito. No caso do Brasil, boas medidas são a prestação pública de contas de políticos e governantes, o acesso dos cidadãos pela internet à informação pública e a divulgação de indicadores que permitam comparar gestores públicos. Cada país precisa encontrar seus próprios remédios.
Quando fala do apolitismo, o senhor costuma fazer uma comparação com o personagem Don Juan.
Os momentos em que um povo é mais politizado são os períodos de transição, como o que o Brasil viveu nos anos 1980 e o que certos povos árabes viveram no ano passado. Mas, quando finalmente conquista a democracia, o povo tende a desinteressar-se da política. Eis outro paradoxo. O interesse do povo é conquistar o poder, e não exercê-lo. O povo execra os tiranos, aqueles que exercem o poder contra ele, mas tem horror de exercê-lo ele mesmo. Usa sua liberdade para não ocupar esse lugar. É por isso que digo que o povo está para a democracia assim como Don Juan está para as mulheres: a conquista mobiliza toda a sua energia, mas a posse o entendia.
O senhor viveu no Brasil nos anos 1980. Do que mais se lembra?
Eu tive a sorte de morar no Brasil entre 1980 e 1984. Peguei desde a Lei da Anistia, no governo Figueiredo, até as grandes manifestações das Diretas Já. No meu voo de Paris para São Paulo, voltavam para o Brasil os últimos intelectuais exilados. Foi a época da minha vida em que mais aprendi do ponto de vista político. Eu sempre escutava que “um povo sem passado nem cultura democrática não está maduro para a democracia”. No Brasil, aprendi que isso é bobagem, pura bobagem. O povo brasileiro conseguiu fazer uma transição democrática exemplar, que até agora está absolutamente fiel aos seus objetivos.
Agência Senado
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