Em recente artigo publicado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, dois consultores da Casa e um professor da Universidade de Brasília argumentam que as restrições impostas pela legislação à aquisição de terras brasileiras por estrangeiros podem reduzir ou mesmo inviabilizar parte dos investimentos produtivos no setor agropecuário do país. Os pesquisadores sustentam ainda que os estados cujas economias dependem do setor primário podem ser ainda mais prejudicados. No estudo, os consultores Fábio Augusto Santana Hage e Marcus Peixoto e o professor José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho – também pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) – traçam um histórico das normas legais sobre o tema e as diferentes interpretações jurídicas adotadas pelo governo brasileiro. Os pesquisadores mostram que a Lei 5.709, de 1971, que restringe a aquisição de terras por estrangeiros no Brasil, foi motivo de pareceres divergentes da Advocacia Geral da União (AGU). A lei impede a compra ou o arrendamento de terras com mais de 50 módulos fiscais por estrangeiros. O módulo fiscal é uma unidade de medida agrária que varia de cinco a 110 hectares , dependendo do município e do tipo da exploração do imóvel. A lei também estipula que cada município não poderá ter mais de 25% de seu território sob controle de cidadãos ou empresas estrangeiros. Se forem da mesma nacionalidade, cada um não pode deter mais do que 10% da área de cada município. O primeiro parecer da AGU, de 1994, determinou que as restrições feitas pela lei a empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro foram abolidas pelo artigo 171 da Carta Magna, o que diminuiria o alcance da lei. Tal artigo, porém, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995. Um segundo parecer, de 1999, manteve este entendimento. A partir da constatação do aumento da participação estrangeira no setor, foi elaborado um terceiro parecer, em 2010, o qual adotou posição totalmente diversa, considerando que o artigo constitucional extinto não era incompatível com a lei. A nova interpretação revalidou a lei no arcabouço jurídico brasileiro e, assim, as pessoas jurídicas brasileiras com a maioria do capital social detida por estrangeiros – que podem ser tanto pessoas físicas residentes no exterior como pessoas jurídicas com sede no exterior – ficaram sujeitas às mesmas limitações impostas às pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil. Os autores acrescentam que tal parecer, publicado no Diário Oficial, criou ainda restrições a vários outros setores, como o da saúde, o das comunicações e o mineral.
Agroinflação
Na introdução do estudo, os pesquisadores salientam o aumento dos preços dos produtos agrícolas a partir de 2007, causado por diversos fatores: o crescimento econômico dos países emergentes; o aumento dos preços do petróleo, que motivou uma maior produção de biocombustíveis; efeitos climáticos adversos; e os baixos estoques mundiais de alimentos. Ainda na introdução, sustentam que “a aquisição de terras por estrangeiros cresceu desde 2008” , aumento motivado, entre outros fatores, por esta “agroinflação”. Ao analisarem os impactos da nova interpretação da AGU em 2010, os autores voltam a sustentar que “os investimentos estrangeiros na agricultura brasileira cresceram de forma expressiva desde a implantação do Real em 1994” . De acordo com eles, o capital externo aumentou sua participação, neste século, nos setores sucroalcooleiro e de papel e celulose, tendo havido ainda “grandes investimentos estrangeiros nas regiões de fronteiras agrícolas produtoras de grãos e algodão, tais como Mato Grosso, Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins”.
Números
De acordo com os números disponibilizados no estudo, obtidos junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2007, dos 577,5 milhões de hectares ocupados por propriedades rurais no Brasil, 3,8 milhões de hectares estavam nas mãos de estrangeiros. Os autores ressalvam, porém, que os números necessitam de aferição, uma vez que as interpretações da Lei 5.709 entre 1994 e 2010 desobrigaram os cartórios de registro de fornecerem dados específicos sobre as terras adquiridas por estrangeiros no Brasil. Ainda assim, sustenta o texto, entre 2007 e 2010, o número dos imóveis rurais no Brasil pertencentes a estrangeiros cresceu cerca de 3%, enquanto a área ocupada aumentou 13%. O crescimento da área desses imóveis pertencentes a estrangeiros aumentou mais nas Regiões Sudeste e Norte (aumento de 23% e 22%, respectivamente). Os pesquisadores avaliaram os dados disponíveis para o período entre 2009 e 2010, na tentativa detectar o efeito pós-crise. Segundo eles, neste interregno, “apenas o Nordeste apresentou um crescimento significativo, algo próximo de 21%”. Constatam ainda que a aquisição de terras na Amazônia Legal dobrou entre 2007 e 2010, além de uma grande variação percentual da área ocupada por estrangeiros no Piauí (138%), em Minas Gerais (64%) e no Espírito Santo (45%). Contudo, para eles, “é muito pouco relevante o percentual de imóveis pertencentes a estrangeiros na região da Amazônia Legal, seja pessoa física ou jurídica”. O estudo cita ainda pesquisa da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio, segundo a qual as restrições do governo decorrentes do parecer da AGU de 2010 “devem gerar, em 2011 e 2012, prejuízos de cerca de US$ 15 bilhões ao agronegócio, por inibir investimentos estrangeiros na forma de capital de risco”. Os autores sustentam, entretanto, que o crescimento da aquisição de terras por estrangeiros em algumas regiões e estados em nada compromete a soberania nacional. Para eles, ao contrário, “é importante entender esses movimentos segundo uma lógica de investimentos produtivos”, uma vez que “as regiões mais dinâmicas do agronegócio concentraram os investimentos estrangeiros na aquisição de terras”. Concluem ser necessário monitorar a aquisição de terras por estrangeiros, o que, para eles, pode ser feito por meio de registro e atualização dos dados de propriedades rurais. Ressalvam, porém, ser importante “lembrar que o Estado pode regular o mercado, mesmo com uma legislação mais flexível ao investimento externo estrangeiro”.
Agência Senado
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