quarta-feira, 29 de agosto de 2012

José Sarney

Para Reflexão

Afonso Arinos – nunca será demais lembrar que se trata de um dos maiores monumentos da inteligência brasileira – levantou, em um de seus livros, um tema que serve para profundas meditações. Fez ligação entre a independência da Justiça e os direitos fundamentais: “O Judiciário só tem razões para ser independente na medida em que exista o capítulo de direitos e garantias individuais”. E prossegue: “Para que manter um aparelho que não tem como ser aplicado? Para que manter a integridade, a importância, a independência e a honra tradicionais do Judiciário se, no momento em que for trabalhar, estiver preso a todas as insídias, a todas as paixões, a todos os provisórios e a todos os equívocos de uma lei política?” Repousa nas mãos do Judiciário o instrumento para assegurar a liberdade das pessoas, o seu direito à liberdade, à sua privacidade, à sua integridade, ao seu patrimônio, em resumo, à sua vida. A Constituição declara, mas quem garante esses direitos é o Judiciário. Se ele não garante, a Constituição é letra morta. Se ele não é independente, de nada valem as leis, e o Estado de Direito é um mulambo. A Constituição francesa de 1791, se não me engano, diz que “se não existe a independência do Judiciário, não existe Constituição”. Se o Judiciário não é independente, não há justiça. As ditaduras começam por dominar o Judiciário. Precisam abolir leis e textos que assegurem os direitos. Fujimori e Chávez fizeram assim, para citar exemplos de agora. Mas há exemplos e modos e meios em que essas coisas não são tão ostensivas. Usa-se o Estado para constranger e politizar a Justiça. Essa talvez seja a etapa mais crítica do processo. Os Estados Unidos são um país de grandes contradições. Quem examina os conflitos que lá existem – raciais, religiosos, de grupos, de minorias – fica perplexo ao ver como o país funciona. E todos concordam que os Estados Unidos só funcionam por causa da Justiça. Respeita-se a Justiça, porque a Justiça é a garantia da sobrevivência do país. Em nenhum lugar do mundo, um candidato que perdesse as eleições assumiria o poder sem conflitos. Mas a Justiça, que vela pelo país, assim decidiu, no interesse da unidade federativa, e todos obedecem. Os juízes gozam de um patrimônio cívico de pedra. Isso deve ser meditado por todos nós – pelos magistrados, pelos advogados e pelos políticos. Agora mesmo, no México, um ex-presidente, falando da polícia, disse: “Não é a polícia que é responsável pela sua corrupção, foram os políticos que corromperam a polícia”. Os juízes novos, os novos procuradores, os novos advogados devem pensar nessas questões, pois deles depende zelar pela garantia dos direitos individuais. Nada justifica, nada mesmo, a violação desse princípio. Retomo a Afonso Arinos: “Não há democracia sem garantia para os direitos individuais.” Violá-los, sob a capa de formalidade, não é violá-los, é prostituí-los”.


José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
jose-sarney@uol.com.br






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