Por Said Barbosa Dib*
“O importante não é o que fazem do
homem,
mas o que ele faz com que fizeram dele”.
Jean-Paul
Sartre
Não
se sabe se Sartre, filósofo, escritor, ateu, conheceu o também intelectual e
político maranhense, José Sarney, católico fervoroso, místico assumido. Mas o
francês bem poderia ter se inspirado no autor de “Marimbondos de Fogo” para
criar o que definia em sua filosofia existencialista como “homens autênticos”,
aqueles que sabem assumir posições, que conseguem dar sentido às suas ações, à
suas existências, principalmente quando as adversidades da vida (“o que fazem
dele”) assim o exigem. Sartre diferenciava esta espécie de homens daqueles que
não tomam posição, não assumem responsabilidades, os “inautênticos”. Estes,
segundo o pensador, diante dos vários caminhos que a vida proporciona, ao terem
que enfrentar a “angústia inexorável da escolha”, ao experimentarem “o peso da
liberdade”, se sentem no vazio e encolhem, aninhando-se no que chamava de “má
fé”. Sarney se mostrou paradigma do primeiro tipo, os homens de “boa fé”,
quando, diante da trágica morte de Tancredo, foi alçado à Presidência num
contexto extremamente adverso e delicado de transição política, de profunda
crise econômica e revanchismos de todos os lados. Mas, não se encolheu. Tornou
posição, assumiu responsabilidades, cumprindo todos os compromissos da Aliança
Democrática. A missão não foi nada fácil. Além dos profundos problemas
políticos e econômicos que herdara, a imprensa, amordaçada por anos e se aproveitando
da natural frustração das massas em decorrência da morte do Presidente eleito, ao
longo de toda a “Nova República” não deu tréguas. Constantemente tentou
abstrair o papel de Sarney - junto com Tancredo, Marco Maciel, Aureliano,
Montoro e outros - da complexa e delicada negociação com vistas à eleição do
governador mineiro. Não havia qualquer clima favorável ou mesmo compreensão,
por parte da mídia, para a necessidade, pelo menos, de se dar um tempo para se
construir a governabilidade. Lastreado pela sua história de vida, o Presidente
Sarney teve que conquistar esta condição, a despeito da mídia e dos que se
diziam aliados, ou seja, só pôde contar consigo mesmo, com sua boa-fé e suas
extraordinárias vontade política e capacidade de conciliação. O esforço vem
sendo gradativamente reconhecido no Brasil e até no exterior.
José Sarney: “verdadeiro político
cinco-estrelas”
Ronald
M. Schneider, professor de Ciência Política do Centro de Pós-Graduação da
Faculdade Queens, da City University of New York, realizou estudo comparativo
dos líderes mundiais, em especial da América - Latina, onde apontou o senador José Sarney como o “melhor chefe de governo
para uma transição democrática”. No estudo, realizado por décadas pela
universidade, a avaliação teve como base a complexidade e variedade de desafios
enfrentados por um líder de governo. A atuação de José Sarney em assegurar a
transição democrática no Brasil, orientando o País em seu primeiro governo
civil, depois de 21 anos de arbítrio militar, foi o destaque. Schneider destaca
a participação do ex-presidente na convocação da Constituinte e na elaboração “da
nova e moderna Constituição de 1988” .
O documento menciona ainda José Sarney como recordista mundial em eleições
vencidas para deputado, governador e senador. E como “melhor presidente com
desempenho intelectual em obras literárias”.
Confira a seguir uma tradução livre da íntegra do
documento, denominado Corporative Latin
American Politics:
“1.
Melhor executivo-chefe para a transição para a democracia
Este julgamento leva em conta a
complexidade e variedade de desafios, tanto em assegurar a transição pós-1984,
quanto guiar o país durante a jornada pedregosa que vai do primeiro dia de
governo civil, passando pelas eleições de 1985, 1986 e 1989, bem como a
elaboração e implementação de uma constituição moderna, nova; um programa econômico
original e inovador, o pioneirismo em programas sociais; e os passos cruciais
para a integração econômica regional.
2.
O campeão mundial em eleições vencedoras (invicto em mais de cinco décadas)
Nenhum outro líder chega perto de seu
recorde em longa e ininterruptas eleições vencedoras, como deputado federal, como
governador, e vários mandatos para o Senado (Consulte coleção anexados de
páginas manuscritas a este respeito)
3.
Melhor performance presidencial por um intelectual notável
Como regra, os intelectuais proeminentes,
autores literários particularmente, têm sido grande decepção como chefes de
Estado ou de governo. Sua estatura em prosa e poesia, com tradução em várias e
principais línguas estrangeiras, faz com que ele se destaque.
4.
Campeão do mundo em manter um papel de liderança política
Ainda preside o Senado, cerca de 22 anos
depois de deixar a Presidência da República, além de ser líder de ranking do
partido que ainda é indiscutivelmente o maior do país (PMDB).
5.
Único ex-presidente a se tornar posteriormente figura de liderança no Congresso
do país
Essa conquista não conhece paralelo,
envolvendo quatro mandatos de dois anos como presidente do Senado. Ainda
continua, quando a maioria dos outros ex-presidentes têm sido reduzidos, na
melhor das hipóteses, a respeitados estadistas mais velhos, notados em raras
ocasiões cerimoniais ou reclusos em suas bibliotecas presidenciais. Essas
conquistas e contribuições únicas e excepcionais fazem de José Sarney político cinco-estrelas,
combinação de verdadeiro político e estadista.
Esta avaliação é baseada em várias
décadas de intenso estudo comparativo de lideranças políticas em todas as
regiões do mundo.
Com profundo respeito e estima, Ronald
M. Schneider, professor de Ciência Política da Faculdade de Queens e Graduate
Center, City University of New York.”
O
estudo do professor Schneider tem fundamentação histórica diante da
complexidade e dificuldade da tarefa empreendida por Sarney no processo de
transição para a democracia no Brasil pós-Regime Militar. Sem voto, sem ter
sido eleito para a tarefa, sem respaldo de seu próprio partido, coube a José
Sarney assumir o comando da redemocratização. Como destaca o consultor do
Senado, Pedro
Costa, autor do livro “20 Anos de redemocratização”, as circunstâncias,
seu temperamento e sua formação conduziram Sarney ao caminho de acelerar a
abertura política. Trabalhou com os militares, não contra eles, como lhes
disse, profissionalizando as Forças Armadas e levando-as de volta aos quartéis.
Abertura política
Imediatamente
liberou a política partidária, com o ato simbólico de receber no Planalto
Giocondo Dias e João Amazonas, os dois partidos comunistas e restabeleceu as
eleições diretas nos antigos municípios de segurança nacional. Logo em seguida
convocou a Assembléia Constituinte. Nos cinco anos de seu governo
solidificaram-se as instituições. As eleições se sucederam em absoluta
tranqüilidade. A imprensa nunca foi tão livre. A sociedade encontrou o caminho
de uma democracia que não se esgota na eleição de seus representantes, mas se
prolonga na consciência de cidadania. Pela primeira vez o brasileiro
considerou-se cidadão, senhor de seus direitos, capaz de por eles se manifestar
e exigir.
A preocupação com o social
A
opção de “Tudo pelo Social” refletiu o empenho em voltar o Estado para os mais
humildes. O Programa do Leite simboliza, em seus números, o gigantesco esforço
que se fez: 1 bilhão e 300 milhões de litros distribuídos a 7,6 milhões de
famílias. O vale-refeição tinha 18 milhões de beneficiados por dia; o vale-transporte,
26 milhões. Criou-se o seguro-desemprego. 58 milhões de crianças passaram a ser
atendidas diariamente pela merenda escolar. A farmácia básica do CEME chegou a
50 milhões de pessoas. A reforma agrária, instituída em 1965, finalmente
começou a ser realidade. A área irrigada aumentou em 1 milhão de hectares. A
cultura tornou-se um desafio do governo. A pesquisa científica, recebendo apoio
incondicional — foram dadas 133 mil bolsas de estudo, mais do que em todos os
anos anteriores do CNPq juntos —, alcançou resultados importantes no
enriquecimento do urânio e domínio da água pesada, com fibras óticas e de
carbono, com lasers de alta potência. Foi criado o IBAMA e iniciada a defesa
sistemática do meio ambiente. O Calha Norte marcou nossa soberania sobre a
Amazônia. A conquista do Plano Cruzado foi ter transformado a economia do
Brasil, aberto as portas sociais.
A transparência financeira e os
resultados econômicos
Ter
permitido a reforma do Estado, com a extinção da conta-movimento do Banco do
Brasil, a unificação do orçamento da União, a criação do SIAFI, da Secretaria
do Tesouro. Ao final do governo, Sarney tinha um resultado que, visto com os
olhos de hoje, é surpreendente: crescimento e pleno emprego — o PIB per capita
em dólares dobrou, chegando a US$ 2.923 (em 2004 estava em US$ 2.789), enquanto
o desemprego era o menor de nossa História (2,36%). O país era a 7a potência
industrial do mundo. Tivemos 67 bilhões de dólares de saldo comercial (contra
um déficit de 8 bilhões de dólares no período de 1995/2002) O PIB passou de 189
para 415 bilhões de dólares, e a dívida externa caiu de 54% para 28% do PIB. A
produção de petróleo passou de 2,7 para 8 bilhões de barris. A safra agrícola
passou de 50 para 60 milhões de toneladas de grãos. No setor elétrico, a
produção aumentou em 24,1%, o número de consumidores em 22,3%, foram investidos
29 bilhões de dólares. O déficit primário de 2,58% do PIB foi transformado em
superávit de 0,8%. Em 1990, Sarney entregou a seu sucessor — eleito em eleição
direta e completamente livre — um país renovado. Transformado nos planos
econômico, social e político. Cumpriu-se, assim, o compromisso de Tancredo: o
Brasil tornou-se uma grande democracia.
O reconhecimento nos dias de hoje
Trinta e nove senadores e 61 deputados foram
apontados, há alguns dias, como os 100 "Cabeças do Congresso
Nacional", na 19ª edição do prêmio promovido pelo Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Os
senadores José Sarney (PMDB/AM) e Eduardo Suplicy PT/SP) são os únicos
indicados como "formadores de opinião". O presidente Sarney, mesmo
representando um estado nortista e ainda fraco política e economicamente, está
na seleta lista de quatro parlamentares que participaram de absolutamente todas
as edições dos “Cabeças do Congresso”. Os demais são representantes de estados
economicamente fortes e politicamente poderosos: os senadores gaúchos Pedro
Simon (PMDB) e Paulo Paim (PT) e o paulista Eduardo Suplicy (PT). Da lista do 100 “Cabeças do Congressos”,
posteriormente, são escolhidos os “10 Mais” do Congresso. A elite da elite
parlamentar em termos de liderança. Sarney, além de ter participado de todas as edições do 100 mais
influentes, é o único que fez parte do seleto
grupo dos “10 mais” do DIAP por onze vezes, nas edições de 1996 (2º lugar),
1997 (2º lugar), 2003 (2º lugar), 2004 (2º lugar), 2005 (6º lugar), 2006 (6º
lugar), 2007 (4º lugar), 2008 (3º lugar), 2009 (5º lugar), 2010 (4º lugar) e
2011 (3º lugar). Agora, em 2012, o DIAP ainda não divulgou a lista, mas com
certeza o ex-presidente estará nela.
Assim o DIAP define o perfil político do senador José
Sarney
José Sarney – PMDB/AP – senador,
5º mandato, advogado, professor universitário, escritor, jornalista e
empresário. Sexto ocupante da Cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras desde
1980. É, ainda, membro da Academia de Ciências de Lisboa. Um dos políticos mais
influentes da República, tem mais de 50 anos, não só de vida pública, mas
também de mandatos eletivos ininterruptos. Já passou pelos principais cargos
que um homem público pode almejar, tendo sido, por diversas oportunidades,
líder partidário e presidente de comissões importantes do Legislativo federal.
Pelo Maranhão foi deputado federal em duas legislaturas (1958-1962 e 1962-1966),
senador por dois mandatos sucessivos (1971-1978 e 1978-1985) e governador do
estado (1965-1970). Vice-presidente e presidente da República (1985-1990), conduziu o difícil
processo de transição democrática depois de 21 anos de ditadura militar. Eleito
e reeleito senador pelo Amapá, está no terceiro mandato pelo estado (1991-1998,
1999-2007 e 2007-2015). Neste período, presidiu por três vezes o Senado Federal
(1995-1997, 2003-2005 e 2009-2011). Parlamentar de grande prestígio, influência
e capacidade de articulação, foi defensor e um dos principais conselheiros do
governo Lula no Congresso, mantendo a mesma postura agora com o governo Dilma
Rousseff. É pai da governadora do Maranhão Roseana Sarney (PMDB-MA) e do
deputado federal Sarney Filho (PV-MA), que também está na lista. É o
único que fez parte do seleto grupo dos “10 mais” do DIAP por 11 vezes,
nas edições de 1996, 1997, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011.
- Said Barbosa Dib é analista político, historiador e assessor de imprensa do senador José Sarney
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