Atraso de 18 anos
Com o nome pomposo de Plano Nacional de Logística Integrada ou com o genérico de PAC das Concessões, a verdade é que as licitações que o governo ultima para passar à iniciativa privada o grosso da malha ferroviária e rodoviária federal, além de portos e aeroportos, mais a área elétrica num segundo momento, chegam com atraso de ao menos quatro governos e meio— os dois de FHC e de Lula e quase a metade do mandato da presidente Dilma Rousseff. Uma espera de 18 anos. Graças aos prazos apertados dos eventos da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016, cujas obras, especialmente de mobilidade urbana, estão atrasadas, e, sobretudo, à crise global, que acentuou no empresariado o receio de investir em meio à capacidade produtiva tornada ociosa no mundo, o governo encontrou razões pertinentes para desbloquear a interdição política das concessões, exercida por partidos e sindicatos do funcionalismo. E o faz não por lhe faltar capital. Sem crédito público, o setor privado também não viria. O mérito da confluência de razões consideradas pelo governo para a mudança de vulto que fará com a gestão, mas não a propriedade — que continuará do Estado brasileiro —, dos serviços públicos em áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico é reconhecer a baixa qualidade do planejamento e da administração estatizada do sistema. A recorrência de reportagens, de relatórios do Tribunal de Contas da União e de investigações da Polícia Federal abertas por demanda do Ministério Público, todas envolvendo algum grau de incúria das administrações estatais, fala por si sobre a urgência das soluções. É um problema de fundo estrutural, especialmente grave na chamada administração direta, dos ministérios e das autarquias aos quais se liga boa parte das operações a serem licitadas, mas também objeto de atenção da presidente. Embora pouco visível, esse é o trabalho que Dilma confiou ao empresário Jorge Gerdau, na condição de líder do Movimento Brasil Competitivo, ao colocá-lo à frente da Câmara de Gestão, Desempenho e Competitividade — um núcleo enxuto do governo, ligado à Casa Civil, com missão tão relevante quanto as concessões.
De provedor a mau gestor
Ao fórum liderado por Gerdau compete assessorar as áreas públicas, com a ajuda de consultorias externas, a aumentar tanto a eficiência como a qualidade gerencial do governo, depois de quase três décadas de sistemático esvaziamento das funções de Estado. A última vez em que o planejamento público comandou as iniciativas de governo, o que fez a pasta com o mesmo nome a ocupar o centro da administração, foi no período militar. O estatismo, o dirigismo e a ausência de transparência e legitimidade que guiaram a sua ascensão foram também as causas de sua ruína, ao hipertrofiar o Estado. O saneamento das finanças públicas herdadas do autoritarismo foi a prioridade dos governos Sarney ao primeiro mandato de Lula — tempo durante o qual o mundo viveu sua maior bonança desde a 2ª Guerra e caiu na maior crise desde a Grande Depressão dos anos 1930.
Uma revolução silenciosa
É este o contexto das reformas, sem chamá-las dessa maneira devido à conotação maldita adquirida pelo termo, que Dilma vai anunciar, e ainda que pelos mesmos motivos políticos não lhe confira expressão. A oposição vai rachar os dentes, provavelmente ironizando o pacote de concessões como “privatização enrustida”. Partes da imprensa vão cair de pau, falando em “apagão logístico”. Mas deverá estar mais certo quem falar em “revolução silenciosa” por meio das concessões, capazes de abrir outra frente de expansão do investimento privado. E com um alcance maior, se associado ao aumento da eficiência do setor público — um programa vanguardista, já que em fase inicial na Europa e nos EUA como resposta à necessidade de redução de deficits e de dívida sem o apelo uniforme e burro à diminuição do Estado e à majoração de impostos. O Estado forte não é função de seu tamanho.
Força camuflou a inépcia
De caso pensado ou não, foi exibição de força a suspensão da venda de linhas de celular, revertida depois que as operadoras firmaram o compromisso de investir na melhoria da qualidade das conexões. É o que se espera das agências regulatórias nas operações concedidas. O episódio das telcos, no entanto, também serviu para demonstrar a inépcia do governo, não só pela falta de fiscalização das agências, mas pelo desvio da taxa paga por elas ao Fust, o fundo que deveria investir na universalização dos serviços de telecomunicações. Onde estão os R$ 18 bilhões já arrecadados? No superavit primário, usado pelo governo para abater dívida pública. Por tais coisas, é questão de urgência a intenção modernizante de Dilma.
Dependente de fato novo
As novas medidas já estão prontas e só um grave acidente político impedirá a presidente de anunciá-las. Depois da logística, virá a questão das geradoras e distribuidoras de energia cujas concessões estão para expirar. Dilma as trata em conjunto com a redução de um naco das tarifas, visando melhorar o custo da produção industrial. Tais providências, de teor microeconômico, podem melhorar no médio prazo o cenário da macroeconomia, que se deteriora celeremente no mundo. O último boletim de projeções do mercado captadas pelo Banco Central ajustou a inflação este ano para 5%, elevou para R$ 2,00 a previsão do dólar no fim de dezembro e baixou para 7,25% a aposta de piso da Selic, e para 1,85% o crescimento da economia. Para 2013, sem algo novo e forte, como Dilma espera do pacote das concessões e de mais alguns estímulos ao investimento privado, não se terá cenário melhor. Ou ela tem sucesso ou vai mancar até 2014.
Antônio Machado/ Correio Braziliense
Você Sabia?
Que foi Sarney quem, com transparência e coragem, deu início ao saneamento das finanças públicas, em 1985, quando começou o reordenamento financeiro governamental com a separação das contas e das funções do Banco Central e do Banco do Brasil? Em fevereiro de 1987, o presidente Sarney extinguiu a conta-movimento do Banco do Brasil. Essa conta permitia suprimentos automáticos para financiamentos e programas do governo, sem que estes constassem no orçamento fiscal do executivo. O Banco do Brasil podia fazer empréstimos, mesmo sem dispor dos recursos que iria emprestar. A diferença era suprida pela conta-movimento por meio da emissão de títulos públicos no mercado financeiro. Segundo economistas, o fim da conta movimento representou um grande avanço para assegurar a estabilidade e o crescimento econômico sustentado no país. Isso porque a medida permitiu a organização e separação das áreas monetária e fiscal do país. Outro passo dado por Sarney foi a criação a Secretaria do Tesouro Nacional, que absorveu as funções de execução orçamentária, até então a cargo de um departamento do Banco do Brasil. Em junho de 1987, foram abolidas as atividades de fomento do Banco Central. Na mesma época, promoveu-se a unificação dos orçamentos que passaram a ser inteiramente submetidos à aprovação do Congresso Nacional.O Legislativo também passou a ter poderes de decidir sobre a dívida pública. Foram extintos o orçamento monetário e todas as formas de arranjos paralelos. A pedido de Sarney, a Secretaria do Tesouro Nacional definiu e desenvolveu, em conjunto com o SERPRO, o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI. O sistema, criado em menos de um ano, foi implantado em janeiro de 1987, para suprir o Governo Federal de um instrumento moderno e eficaz no controle e acompanhamento dos gastos públicos. O SIAFI, criado por Sarney é, até hoje, um dos principais instrumentos de transparência dos gastos públicos no Brasil.
Veja também:
- Economia do Governo Sarney
- Políticas Sociais
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