Soraya Mendanha e Isabela Vilar

Sob chuva de papel picado e com vivas à democracia, o Congresso Nacional aprovou, na madrugada desta quinta-feira (21), o Projeto de Resolução 4/2013, que anula a sessão de 1964 na qual foi declarada vaga a Presidência da República, então ocupada por João Goulart (1919-1976). A sessão anulada, protagonizada pelo então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, ocorreu na madrugada de 1° para 2 de abril, quando Jango se encontrava no Rio Grande do Sul, e abriu caminho para a instalação do regime militar, que durou até 1985. Os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), autores do projeto, argumentaram que a declaração de vacância da Presidência foi inconstitucional, porque a perda do cargo só se daria em caso de viagem internacional sem autorização do Congresso, e o presidente João Goulart se encontrava em local conhecido e dentro do país.

Simon exaltou a coragem e a responsabilidade de Jango ante a possibilidade de uma guerra civil e até de uma intervenção norte-americana.
- O momento é histórico. Este Congresso restabeleceu a verdade histórica. Viva o presidente João Goulart! - disse o senador, que classificou a sessão de 1964 de “estúpida”, “ridícula” e “imoral”. Ele sublinhou que aprovação da proposta reconstitui a verdade para o povo brasileiro e permite que a história seja ensinada de maneira diferente nas escolas e universidades.
- Nós não temos desejo de vingança, nem ódio, nem mágoa. Não temos nada disso. Nós queremos apenas reconstituir a história. Quem ler, vai saber – afirmou.
Após o início do golpe de Estado, em 31 de março de 1964, o presidente João Goulart decidiu ir a Porto Alegre a fim de encontrar aliados políticos e estudar como poderia resistir ao golpe de Estado. Foi nesse período que o então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República.

Randolfe Rodrigues lembrou que vários parlamentares, como o então deputado Tancredo Neves (1910-1985), se manifestaram à época contra a decisão, por meio de questões de ordem. Randolfe afirmou que o país precisa reparar as “manchas no passado” para engrandecer a democracia.
- Não se constrói um país decente, justo, se não tiver lealdade com a sua memória. Não se constrói um país democrático se a Casa guardiã da democracia não reparar as arbitrariedades e as manchas do passado – disse.
A aprovação do projeto, segundo os senadores, mostra que o Congresso, passados 49 anos do Golpe de 1964, não se mantém curvado às circunstâncias que levaram ao regime militar e repudia a contribuição ao golpe dada pela Casa no passado. Para eles, trata-se de um “resgate da história e da verdade”, uma correção, ainda que tardia, de “uma vergonha histórica para o Poder Legislativo brasileiro”. O deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) falou sobre a tristeza de relembrar a madrugada em que foi realizada a sessão em que Jango foi destituído, mas disse que o ato é necessário para evitar que episódios dessa natureza se repitam. Para ele, e o Congresso escreveu, durante aquela sessão, uma das páginas mais obscuras da sua história já que, ao declarar a vacância, propiciou o ambiente para o golpe militar.
- Ao declarar a vacância criou, aí sim, o ambiente para o malfadado golpe militar que levou o Brasil a um período de obscurantismo e ditadura – disse.
Vários deputados também discursaram, para repor a verdade histórica.
Protesto
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi o único a se manifestar contrariamente à proposta. Ele tentou derrubar a votação, com questões de ordem, destacou que a destituição de João Goulart teve apoio, não só das Forças Armadas, mas de amplos setores da sociedade, e ainda da Igreja Católica, da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), da imprensa e afirmou que a tentativa de apagar o passado é um ato “infantil” e “stalinista”.

A votação da proposta estava prevista para a noite de terça-feira (19), mas foi adiada devido ao pedido de verificação de quórum feito pelo próprio deputado Jair Bolsonaro. Na sessão desta quarta (20), o deputado voltou a pedir a verificação, mas teve o pedido negado pelo presidente do Congresso, Renan Calheiros.
- Vossa Excelência, contra todos os líderes, contra todas as bancadas, isoladamente, não pode paralisar e imobilizar os trabalhos do Congresso, contrariando a Constituição federal. Aceitamos a questão de ordem na outra sessão, mas não podemos aceitar hoje para não perder a oportunidade de reparar a história e reparar o papel constitucional do Parlamento – explicou.
As sessões de terça e desta quarta foram acompanhadas por familiares do ex-presidente, entre eles, o seu filho João Vicente Goulart.
Exumação
A anulação da sessão que tirou Jango da Presidência ocorre no momento em que peritos da Polícia Federal examinam os restos mortais do ex-presidente, na tentativa de descobrir se ele foi ou não assassinado. A suspeita surgiu depois de declarações de um ex-agente da repressão da ditadura uruguaia, segundo o qual Jango teria sido envenenado. A exumação, feita a pedido da família, ocorreu na última quarta-feira (13) e os restos mortais chegaram a Brasília na quinta-feira (14), onde foram recebidos com honras de Estado.
Agência Senado
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