Por Said Barbosa Dib
O preço de se ter sucesso é grande e doloroso. José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República em momento difícil, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São mais de 50 anos de vida pública. É, ainda, acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa. Isto é sucesso real. E toda vez que algum tolo de plantão quer se fazer crível, bate em quem? Claro: em Sarney. Na matéria “Briga de siglas por igrejas é palmo a palmo”, do “O Estado de S.Paulo”, assinada por Roldão Arruda, o espertalhão da vez, o sociólogo Ricardo Mariano, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mostra que seus títulos não servem para muita coisa: "Eles ajudaram José Sarney a estender seu mandato para cinco anos em troca de concessões na área de comunicação. Em seguida deram apoio maciço a Fernando Collor de Mello no segundo turno das eleições de 1989, contra a candidatura lulopetista (...)." Mentira. Este foi – e continua sendo... - um dos maiores erros da mídia, no Brasil. Passaram ao público a idéia de que Sarney teria prorrogado seu poder em um ano quando, na verdade, abdicou de um ano. Seu mandato, firmado no termo de posse assinado pela mesa do Congresso, em função da lei então vigente, expirava em 1991, no mês de março. Era, portanto, um mandato de seis anos, como fora previsto o do presidente Figueiredo. Mas, para pacificar o ambiente, já tumultuado pelo açodamento de alguns candidatos a sua sucessão, Sarney, sempre um conciliador, declarou que “aceitava a fórmula de cinco anos". Ou seja, não ganhou mais um ano. Pelo contrário, com patriotismo e abnegação, abriu mão de um ano em benefício da estabilidade política. Foi aí que os espertalhões de sempre se aproveitaram para desencadear a campanha pelos quatro anos. Em entrevista concedida em janeiro de 2001, a Benedito Buzar, Sarney desabafou: “eu cometi um erro, confesso! Devia ter ficado calado. Caso a Constituinte fixasse meu mandato em quatro anos, bastaria ir ao Supremo, que confirmaria os seis, pelo direito adquirido pelo diploma que me outorgaram. Mas nossa preocupação não era essa, era com o Brasil, que passava um momento delicado de transição democrática”. E quanto às concessões? O que os mal-intencionados não querem entender é que, saindo de uma ditadura de mais de vinte anos, onde o controle ferrenho sobre os veículos de comunicação – e as forças democráticas - era uma realidade, os membros da oposição peemedebista estavam totalmente alijados da mídia pelos militares. Durante a ditadura as concessões foram praticamente congeladas. Por isso, naquele momento delicado de transição democrática, havia a necessidade de se acertar as desigualdades provocadas pela ditadura. Era necessário reconstruir a imprensa livre no País. A “panela de pressão” das forças democráticas explodiu. Era burrice não ceder. Nada mais normal do que dar vez e voz àqueles que durante mais de vinte anos lutaram contra o arbítrio. Não uma “troca de concessões na área de comunicação”, mas a atualização do sistema de comunicação para aqueles que enfrentaram a ditadura e que tinham sido calados e marginalizados por isso. Eram membros do PMDB, aliados históricos de Tancredo, não de Sarney. O mesmo PMDB que foi eleito à custa da popularidade do Plano Cruzado para a Constituinte e que, ao final do governo Sarney, deu as costas ao presidente. Mas esta é uma outra história. A verdade é que, quando se quer arranhar a figura de um político, alguns meões não medem esforços. Como já se disse, “no jornalismo o tecido atingido pela calúnia não se regenera”. As feridas abertas pela difamação não cicatrizam. A retratação nunca tem o mesmo espaço das acusações. E, mesmo que tivesse, a credibilidade do injustiçado nunca é restituída na mesma proporção, pois a mentira fica marcada no imaginário popular. Construíram e associaram, tendenciosamente, dois fatos isolados que se passaram durante a Nova República, mas que não tinham relação de causa e efeito entre si. A relação, ideologicamente construída, entre mandato de Sarney e concessões na comunicação, não passa de mau jornalismo que apenas ajuda os interesses das transnacionais estrangeiras que querem desagregar as instituições políticas brasileiras, pois querem fazer com que o povão tenha ódio de seus políticos eleitos e efetivamente admirados. Sentimento perigoso que, segundo o romano Publio Siro, "só o homem corajoso ou o bem sucedido pode suportar”.
Said Barbosa Dib é historiador e analista político em Brasília
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