A nova conta movimento
Ontem, o Tesouro repassou para o BNDES mais um empréstimo de R$ 20 bilhões de um total de R$ 45 bilhões previstos para este ano. No ano passado, o BNDES já recebera R$ 55 bilhões. Essas transferências cumprem a função de suprir o BNDES de recursos oficiais destinados a empréstimos de longo prazo, para viabilizar investimentos das empresas tanto públicas como privadas. Mas não são os únicos repasses do Tesouro a bancos oficiais. O Banco do Brasil deve receber neste ano até R$ 8,1 bilhões, e a Caixa Econômica Federal, outros R$ 13 bilhões - como munição para o crédito e para forçar os bancos privados a reduzir os juros nas suas operações ativas. Embora decididos com as boas intenções de praxe, esses repasses produzem distorções. A primeira é a reedição da chamada conta movimento. Foi a união incestuosa entre Tesouro e Banco do Brasil que financiou despesas do governo com dívida pública e emissões de moeda. Causou enormes estragos à economia brasileira até ser extinta em 1986, no governo Sarney. O único ponto positivo dos atuais repasses do Tesouro é o de só poderem ser feitos caso, no resto, o governo cumpra um bom programa de responsabilidade fiscal. Mas, se é uma reedição de práticas condenáveis, está visto que não podem acabar bem. A segunda incongruência já foi reconhecida pelo próprio presidente do BNDES, o economista Luciano Coutinho. Essa gambiarra fiscal, em que dinheiro público gerado com vento é injetado nas veias de algumas empresas brasileiras, impede o desenvolvimento de um mercado de capitais sadio no Brasil - onde qualquer empresa bem administrada e com um bom projeto poderia se financiar com recursos relativamente baratos para a sua expansão. Quem e qual instituição financeira pode concorrer com o BNDES (ou com o Tesouro) no fornecimento de recursos de longo prazo nessas condições? Esse é o maior obstáculo para o desenvolvimento de um mercado de debêntures, ou seja, de lançamento de títulos de longo prazo pelas empresas. O BNDES sempre fornecerá recursos mais baratos do que o mercado vai cobrar. No passado, a falta de recursos de longo prazo para financiar o crescimento tinha outras causas - como a inflação alta ou a insegurança criada pelos fundamentos frágeis da economia. Hoje, um dos principais motivos é a ausência de poupança de longo prazo no mercado. Esse desvio leva a outro: os bancos oficiais acabam por fazer concorrência desleal aos privados, em capitais de investimento e de crédito a prazos mais curtos. Outro fator negativo é a escolha arbitrária dos campeões dos torneios de crescimento econômico. À medida que passa a deter o monopólio da oferta interna dos capitais de longo prazo e escolhe as empresas que vão desfrutá-los, outros elementos de irracionalidade se instalam na economia. Muitas vezes, eleitos assim designados são as melhores opções de investimento. Transferências de recursos com critérios políticos motivam critérios também políticos de aferição de resultado. E isso já se sabe onde vai parar. Além disso, nem sempre os financiamentos, sejam de que prazo forem, chegam ao grupo empresarial que deles mais necessita. Ao contrário, muitas vezes a empresa já detém reservas para seus planos de investimento. Mas, uma vez que conta com o beneplácito do governo federal, prefere dar-lhes outra destinação.
O Estado de S. Paulo - B2
Comentário do "Amapá no Congresso" sobre a notícia:
Apesar de alguns setores da “imprensa” não admitirem nunca, foi o governo Sarney (1985-1990) que promoveu o reordenamento do sistema financeiro brasileiro e das contas públicas, tornando-os mais eficientes, transparentes e menos vulneráveis à corrupção. Foi instituída a Secretaria do Tesouro Nacional, criada por Sarney em janeiro de 1987, que definiu e desenvolveu, em conjunto com o SERPRO, o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI. A idéia era suprir o Governo Federal de instrumento moderno e eficaz no controle e acompanhamento dos gastos públicos. Hoje é possível ter acesso a todas as despesas do poder público graças exatamente ao SIAFI, que deu sistematização e transparência ao processo orçamentário (unificando o Orçamento) e saneou o Banco do Brasil e o Banco Central. Como lembra Ming, na coluna publicada acima, Sarney acabou, ainda, dentro do mesmo processo, com a famigerada “Conta Movimento do Banco do Brasil”, o que viabilizaria, mais tarde, coisas como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a missão fiscalizadora por parte de órgãos como o COAF, TCU, por exemplo. Mas o que era a conta movimento do Banco do Brasil? Os jovens de hoje, que não viveram aquela época, sabem do que se trata? É possível que não. Se soubessem fariam louvores a Sarney todo dia. Mas, não custa nada relembrar: era o instrumento mais irresponsável e mais desagregador da política brasileira. O Banco do Brasil tinha uma carteira que administrava recursos resultantes de emissões de papel-moeda e títulos públicos do Tesouro. Se destinava a socorrer empresas de amigos do governo, inclusive da grande mídia. Era a “maquininha ´mágica` de fazer dinheiro, um dos fatores mais determinantes que pesava sobre o déficit público e a inflação; e que tornavam privados os recursos que deveriam ser públicos" (palavras de Sarney). Pois foi Sarney o primeiro presidente que teve coragem de acabar com esta aberração de fazer dinheiro e inflação. Não existe, na História da República, gesto maior de moralização e transparência do que este, verdadeira revolução no trato com o dinheiro público, pois todo mundo que chegava à Presidência deixava essa monstruosidade orçamentária continuar porque era altamente útil ao aliciamento político. Hoje, nos meios especializados, há concordância geral em torno da importância do conjunto de medidas do ex-presidente, buscando a modernização das instituições monetárias e da contabilidade pública. Foi o fim do primitivismo das finanças públicas, como lembra Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. Graças ao maranhense, hoje, o Banco do Brasil se restringe a funções típicas de um banco comercial, quando anteriormente confundia-se com uma autoridade. Como qualquer outro, agora o BB empresta para a indústria, agricultura ou comércio o recurso advindo da sua captação de depósitos à vista. O Banco Central, por sua vez, é agora efetivamente uma espécie de “banco dos bancos” e goza de independência técnica, para exercer com autonomia seu papel de autoridade monetária principal do país. Recebeu tal competência da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), Banco do Brasil e Tesouro Nacional. Cabe a ele a emissão de moeda, o recolhimento de compulsórios dos bancos comerciais, a fiscalização das instituições financeiras, entre outras funções típicas de bancos centrais em todo o mundo, coisas que permitiram a atual estabilidade econômica. As ações de Sarney foram incorporadas à Constituição de 1988, que determina não só que cabe exclusividade ao BC a competência para a emissão de moeda, mas estabelece, também, a proibição de concessão direta ou indireta de empréstimos ao Tesouro Nacional (o caixa do governo). O Tesouro por sua vez – que detinha a função de emitir papel-moeda – passou a gerir as receitas públicas advindas dos impostos e da emissão de títulos (dívida pública federal). Depois da reforma do presidente Sarney, o Legislativo também passou a ter poderes de decidir sobre a dívida pública, resgatando missão precípua de todo parlamento democrático. Alguns maus jornalistas e colunistas, recentemente, por causa do apoio do presidente do Seando à candidatura Dilma nas eleições presidencias de 2010, procuram insanamente estigmatizar Sarney como símbolo do que seria “pouco transparente”. Fazem isso por pura vingança corporativa. São aliados dos poderosos que perderam "a mamata" que desfrutavam. Eles sabem que, quando colocam em questão os detalhes dos gastos do Senado ou de quaisquer órgãos públicos, se utilizam ou do portal “Contas Abertas” para suas ilações, ou dos dados do próprio SIAFI. A contradição é: como podem considerar Sarney “pouco transparente”, se tais mecanismos de consulta do Orçamento só existem justamente por causa de uma decisão política corajosa de Sarney quando foi Presidente da República?
Said Barbosa Dib, historiador, analista político e assessor de imprensa
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