Reforma Tributária
e Pacto Federativo
Em 12 de abril do corrente ano, o Senado Federal
nomeou comissão, hoje constituída por 13 especialistas, objetivando um estudo
para repensar o Pacto Federativo, a
começar pelas questões tributárias, que amarram o desenvolvimento nacional e
atrasam a evolução do País, na certeza de que sem esses entraves o Brasil já
poderia ter atingido níveis muito mais elevados de progresso e competitividade.
Em diversas reuniões presenciais e em número maior de reuniões virtuais, os 13
participantes elaboraram 12 textos, objetivando eliminar a guerra fiscal ou
reduzi-la a expressão insignificante quanto ao ICMS; definir o nível das
dívidas dos Estados sem provocar descompassos orçamentários para a União, os
Estados e municípios; definir as novas regras do Fundo de Participação dos
Estados, assim como reformular a partilha do ICMS com os municípios; equacionar
o problema dos royalties do petróleo sem modificar as garantias, hoje
outorgadas aos Estados e municípios, com base no artigo 20, § 1.º, da
Constituição federal, mas universalizando participações para as demais unidades
da Federação; agravar a punição de autoridades públicas que gerem o conflito
tributário, em patamar penal, estabelecendo outras regras simplificadoras, como
o cadastro único do contribuinte, medida esta também discutida e aprovada, ao
lado de 19 outras soluções simplificadoras, pelo Conselho Superior de Direito
da Fecomércio-SP. A linha mestra foi corrigir as desigualdades regionais com o
mínimo de resistência das entidades federativas e o máximo de eficiência nos
resultados pretendidos. Sob a presidência de Nelson Jobim e relatoria de
Everardo Maciel, que se mostrou um incansável coordenador das reuniões
virtuais, tem a comissão a certeza de que nas 12 propostas já articuladas de
projetos de emendas constitucionais, leis complementares, ordinárias e
resoluções do Senado, pela primeira vez, de forma coerente e sistemática, se
forjou um verdadeiro sistema equacionador dos problemas mais cruciais da
questão tributária. Em recente editorial (Qual reforma tributária, 16/10, A3),
O Estado de S. Paulo alertou que a luta dos Estados pela preservação de sua
autonomia financeira sobre o ICMS dificulta a reforma tributária, no que tem
razão, visto que esse tributo, de vocação nacional, foi regionalizado no
Brasil, ao contrário do que ocorre na esmagadora maioria dos países, que adotam
o princípio do valor agregado. Tais países têm o IVA centralizado, mesmo nas
federações, como Alemanha e Argentina. A guerra fiscal, todavia, só ocorreu
pela omissão da União, que desde a Constituição de 1988 deixou de fazer
políticas regionais reequilibradoras dos desníveis entre as unidades da
Federação, visto que perdeu 14% da arrecadação de IPI e Imposto de Renda a
favor de Estados e municípios. Essa perda, entretanto, foi recuperada com a
elevação do Finsocial, de 0,5%, para a Cofins de hoje, de 7,6%, assim como o
PIS, de 0,05% para 1,65%, sob a alegação de permitir a compensação do tributo,
em algumas hipóteses. Por ser, porém, um tributo não partilhável com as outras
entidades federativas, transformou-se na estrela maior da arrecadação federal.
Tanto é assim que sua participação no bolo tributário atual foi elevada para
aproximadamente 60%, ficando as demais unidades da Federação com apenas 40%. Nesta
primeira fase da tarefa de elaborar um projeto destinado a repensar o pacto
federativo, houve por bem a comissão buscar soluções que possam alcançar
consenso no Congresso Nacional. No ponto mais agudo do "nó górdio"
tributário, a comissão preservou a unanimidade do Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz) para a aprovação de estímulos por meio de convênios, no
âmbito do ICMS, abrindo uma única exceção: a possibilidade de aprovação por
dois terços dos Estados de incentivos fiscais que atendam, simultaneamente, às
seguintes condições: Aplicação apenas a produtos que saiam da fábrica para
outros Estados; que o Estado beneficiário tenha renda per capita abaixo da
renda per capita nacional; prazo de duração do incentivo não superior a oito
anos; e alíquota interestadual de, no mínimo, 4%. A nova proposta de lei
complementar contemplando esse regime substituiria a LC 24/75. Paralelamente, há
a proposta de emenda constitucional para adoção de um regime de "quase
destino" para o ICMS, com uniformização da alíquota estadual em 4%, mas
com um prazo de transição de oito anos, dentro do qual as alíquotas atuais, de
7% e 12%, seriam reduzidas anualmente até chegarem aos 4% pretendidos. Uma
alíquota única interestadual reduzida, mesmo para os Estados que queiram burlar
o Confaz, correndo o risco de sofrer as penas agravadas sugeridas pela
comissão, implicaria benefício muito pequeno e terminando por desestimular as
empresas a se arriscarem a receber estímulos reduzidos, inconstitucionais e
contestáveis até sob o aspecto penal. A comissão - composta por Nelson Jobim,
Everardo Maciel, Bernard Appy, Fernando Rezende, João Paulo dos Reis Velloso,
Luís Roberto Barroso, Manoel Felipe Rêgo Brandão, Marco Aurélio Marrafon,
Michal Gartenkraut, Paulo Barros Carvalho, Sergio Roberto Rios do Prado e por
mim - está absolutamente convicta de que, nesta primeira agenda do
"repensar o pacto federativo", apresentará propostas que poderão
auxiliar a simplificar o sistema tributário, no seus pontos mais polêmicos,
auxiliando o desenvolvimento nacional. Todas as propostas serão entregues em 30
de outubro ao presidente do Senado, acadêmico José Sarney, na
esperança de que esta contribuição "pro bono" tenha valido a pena.
O Estado de S. Paulo - A2
Ives Gandra
da Silva Martins
é professor emérito da Universidade Mackenzie e das Escolas de Comando e
Estado-Maior do Exército (ECEME) e Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Uma
Breve Teoria do Poder.
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