O mistério da ressureição
O Maranhão sempre foi um Estado em que o
cristianismo teve uma profunda influência. Desde sua fundação, quando aqui
chegaram os franceses, a expedição tinha como um dos seus objetivos converter
os índios à fé católica. Nisto não se diferenciava do que se fazia no resto do
Brasil, já que os portugueses traziam em suas caravelas, nas velas pandas, a
grande cruz de Cristo. O Papa João Paulo II, quando nos visitou, teve
oportunidade de dizer em sua homília que do Maranhão partiram as missões para
evangelização da Amazônia. E citou as Ordens que participaram dessa catequese.
A primeira delas, a dos franciscanos que vieram com La Ravardière, originários
do Convento do Faubourg Saint Honoré, de Paris. Os jesuítas sempre contestaram
essa primazia, pois diziam que tinham chegado em 1607 com os padres Luiz
Figueira e Francisco Pinto, este morto na Serra de Ibiapaba pelos índios. Já
era a rivalidade entre franciscanos e jesuítas, que chegou até hoje e, agora,
para tentar uni-las, o Papa jesuíta Cardeal Bergoglio adotou o nome de
Francisco. Essas tradições católicas permearam toda a história de nosso Estado.
Até os cultos africanos vindos com os escravos, pelo sincretismo religioso,
passaram a fazer de Oxóssi o Senhor do Bonfim, de Santa Bárbara, Iemanjá, de
São Cosme e São Damião, os Ibeji, e todos os santos se confundiram com deuses
africanos e, assim, os negros driblaram a perseguição da Igreja. Eram célebres
e até minha juventude eu encontrei o esplendor das grandes festas religiosas,
como as de Santo Antônio e dos Remédios, que duravam nove dias e terminavam na
apoteose das procissões povoadas de crianças vestidas de anjo, organizadas em
alas, de um lado os homens e do outro as mulheres. O andor era cercado das
autoridades e seguido pelas Irmandades com seus estandartes e batas brancas e
cajados, os irmãos, em seus trajes, identificados com fitas nos pescoços. Eram
ali que as mulheres reprimidas aproveitavam para trocar olhares de namoro e os
freiráticos (homens vidrados em freiras), tão bem documentados na Bahia pela
escritora Ana Miranda, tentavam as freiras pudicas com técnicas de sedução. Hoje,
tudo desapareceu. Avançam o ateísmo e o agnosticismo. Mas não desapareceu a
Semana da Paixão da minha infância, e permanecem eternos os sagrados valores da
vida de Cristo. O simbolismo de sua paixão, a sua presença na Terra, para não
ficarmos sós, sem a certeza do seu amparo. O Domingo da Ressurreição nos traz
um mistério. Mas, sem ela, como dizia São Paulo, “não há cristianismo”. “Se
Jesus não ressuscitou é vã a nossa fé.” É a ressurreição que nos distingue de
qualquer religião. É assim que, hoje, volto a minha infância para cantar, como
o fazia no coro da Sé, este dogma que é o centro de nossa fé. Não me peçam
argumentar com a razão. Esta é uma questão de fé. Acredita-se ou não. Repito uma vez mais São Paulo: “Sem ressurreição
não há cristianismo.”
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
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