domingo, 6 de julho de 2008

Vítimas de escalpelamento


Amapá e Pará são campeões de casos na região. Governo federal discute ações em favor das vítimas.



Janete (E) convera com uma vítima de escalpelamento, em Brasília


Vítimas de escalpelamento (o couro cabeludo é arrancado do crânio) vão receber mais atenção do governo federal. Essa tragédia amazônica é resultado da falta de segurança nas embarcações. Os acidentes acontecem porque o motor e o eixo dos barcos ficam descobertos. Um risco real para quem se aproxima. Acionado o motor, o eixo grira em alta velocidade. Quem se aproxima do objeto é sugado e têm couro cabeludo arrancado. E isso ocorre quando, nas viagens pelos rios da Amazônia, os viajantes tiram o excesso de água do barco. É comum o barco receber uma grande quantidade extra de água durante o trajeto. Para os índios americanos, o escalpo era um troféu de guerra. Na Amazônia, o escalpelamento é uma tragédia que atinge centenas de pessoas — a maioria mulheres e crianças — todos os anos. Só no Amapá, 1,4 mil pessoas foram vitimadas nos últimos anos, e no Pará, registrou-se 43 casos nos últimos dois anos.

Santarém, Altamira e Barcarena, no Pará, são os municípios onde o escalpelamento é comum. Nas duas últimas décadas cerca de 200 pessoas foram atendidas na Santa Casa de Belém (PA), 5% morreram. “Essa é uma tragédia da Amazônia”, admite o cirurgião plástico Victor Aifa. Ele foi um dos profissionais que já atendeu dezenas de vítimas, as chamadas ‘meninas de turbantes’ no Pará. Aifa explica que o tratamento das vítimas é longo, doloroso, não recupera os cabelos e nem as lesões decorrentes do arrancamento de orelhas e pálpebras. As vítimas, explica ela, passam por várias cirurgias e acompanhamento ambulatorial, e o tratamento dura mais de dez anos. Repor a pele do crânio com enxertos retirados das pernas é a primeira etapa.


Por sugestão da deputada Janete Capiberibe (PSB-AP), o governo criou um grupo de trabalho para estudar e implantar medidas de prevenção ao escalpelamento em todo o País. Antes, as vítimas não tinham nenhuma assistência, “mas agora contam com políticas públicas para atender suas necessidades”, diz a deputada, que é presidente da Comissão da Amazônia da Câmara e autora do projeto de lei 1.531/2007. O projeto obriga a instalação proteção no eixo do motor que impulsiona as embarcações de pequeno porte.


Janete(E): durante reunião na Presidência da República

Embarcações sem segurança

Para técnicos da Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho, a engenharia e operação das embarcações são os principais responsáveis pelos acidentes. Eles tentam um modelo de proteção ao eixo e ao motor e outras partes de risco para servir de modelo em todo o país. O protótipo da Fundacentro será testado no Amapá e no Pará. Até a construção e instalação desses equipamentos de proteção, a Fundacentro sugere que a atitude mais sensata seja desligar o motor toda a vez que qualquer pessoa for escoar a água da embarcação.

Ação governamental

A situação tem sensibilizado Janete Capiberibe. Há um ano e meio, ela luta para oferecer mais dignidade às vítimas desse drama amazônico. Anteontem, a deputada reuniu-se com assessores da Presidência da República e ministérios (Trabalho, Direitos Humanos e Política para Mulheres) para discutir ações em favor das vítimas de escalpelamento. No encontro, Janete cobrou do governo ações de prevenção aos acidentes nas embarcações. Para tanto, sugeriu ações educativas e tecnológicas, como é o caso da proteção no eixo das embarcações e outros pontos que geram vulnerabilidade. O Ministério da Saúde terá ações específicas para as vítimas de escalpelamento, entre as quais as cirurgias reparadoras e de reconstrução e os expansores de pele. A próxima ação será a capacitação dos profissionais da área de saúde nos procedimentos que visam atender às vítimas — o ministério aguarda das secretarias estaduais de saúde a indicação das instituições ou profissionais que serão capacitados.

Belém terá dois hospitais-referência para atender às vítimas deste tipo de acidente. É no Amapá e no Pará onde ocorre o maior número de acidentes registrados. Atualmente, nenhum pronto-socorro do Amapá tem condições de atender vítimas de escalpelamento.
Os participantes do encontro chegaram à conclusão de que apenas uma campanha incisiva de educação não é suficiente para reduzir os casos de escalpelamentos. Eles avaliam que uma medida eficaz é aprimorar a construção artesanal das embarcações. Assim, será reduzido o risco que partes móveis e outras peças oferecem aos operadores ou passageiros.

(*) Com informações fornecidas pelo jornalista Sizan Luis Esberci, assessor de imprensa da deputada Janete Capiberibe.

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