Que cargo…
Depois que a evolução política da humanidade criou o presidencialismo como uma das mais altas conquistas da democracia, a eleição presidencial passou a ser o mais importante evento do exercício democrático. O voto é a síntese de toda construção que se processa no sistema político. Uma eleição presidencial é uma soma de ambições, que vão das mais legítimas até à do poder partidário, que se resume no direito de proporcionar mandos menores. Nas democracias pobres essa escolha é uma guerra que mais parece uma luta de vale-tudo. No Brasil já tivemos vários exemplos desse jogo sujo e ainda oitenta por cento da disputa gira em torno de julgamento pessoal. Um escândalo é o mais ambicionado objetivo de uma campanha presidencial. Hoje, já aparecem para camuflar a luta presidencial algumas “propostas” pontuais, sem ainda aparecer nenhum programa sistêmico. Mesmo nos Estados Unidos, berço do presidencialismo, com partidos históricos e consolidados, a disputa ainda tem muito de pessoal e de métodos condenáveis, sem excluir retórica suja. Mas o cargo em si, e não a disputa, tem sido motivo de muitos estudos e análises, desde a “presidência imperial” dissecada por Arthur Schlesinger até The American Presidency, de Clinton Rossiter, onde este sustenta “a veneração, a reverência, a autoridade e a dignidade” que o cargo possui. A verdade é que todos os meios de controle da presidência não foram capazes de lhe retirar a força e a autoridade absoluta, a magia que exerce sobre a sociedade. Seu poder vai além do cargo, da pessoa, dos seus objetivos políticos para invadir um campo de mando e um caminho para a História que, com o tempo, junta a todos num simbolismo da continuidade nacional. Por isso a disputa é, despojada das circunstâncias do tempo em que ocorre, um momento quase sagrado na vida das nações democráticas. Poder realizá-las como rotina é um avanço na história de um povo. Nenhum país pode ser potência econômica, militar, científica, cultural se não for uma potência institucional capaz de constituir seu autogoverno. A periodicidade dos mandatos foi outra descoberta marcante na história dos regimes democráticos. Sem ela não existiria democracia. Plácido Castelo, que foi governador do Ceará, numa imagem bem popular e sertaneja, dizia: “O poder democrático é uma caneta. Com ela se pode fazer tudo. Felicidade e infelicidade. Mas no dia que acaba a tinta, vai-se embora… A eleição é a tinta nova.” E de novo as esperanças renascem, porque só o homem sabe o que é esperança e dela vive.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa
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