Por Renato Janine Ribeiro*/Valor Econômico
As eleições deste ano devem nos levar a discutir uma prioridade constitucional dos municípios, a educação. Esta é a sexta eleição de prefeitos e vereadores sob a Constituição de 1988, que deu ao município a atribuição de zelar pela educação básica, tendo os Estados como parceiros e a União... ela, bem ao longe. É hora de cobrar duas questões dos candidatos: o que propõem para o nível de educação mais relevante que há, o inicial, que forma as crianças e define boa parte de seu futuro? E se até agora esses gestores não deram conta de melhorar a educação fundamental e o ensino médio, darão um dia? Será o caso de pensar seriamente na proposta do ex-senador Cristovam Buarque - ex-ministro da Educação, verdadeira usina de ideias - que diz que a educação básica, importante que é, tem de ser federalizada? O assunto não é dos mais populares. Perde, nas campanhas eleitorais, para a saúde. Qualquer um sabe que está doente. Mas só quem tem educação sabe o que é a educação falha. Quem mais precisa dela não percebe o quanto precisa. As famílias não se comprometem com ela. A educação faz parte dos assuntos, como a ética, que não lotam a avenida Paulista. Isso tem que mudar. O constituinte pensou que, aproximando a educação básica do cidadão, nos municípios, aumentaria o controle popular sobre ela. Engano. Tanto que o governo federal, apesar de incumbido essencialmente do ensino superior, é quem tem posto dinheiro e ferramentas para melhorar a básica. A União hoje é o ator decisivo na educação. O Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), aliás, mostra que os primeiros anos de escolaridade obrigatória têm avançado mais que o previsto (ver tabela abaixo). Numa escala que vai até dez, a meta é chegar em 15 anos ao nível dos países desenvolvidos em 2005, que era nota 6. Não é fácil avançar vários pontos, consistentemente, ano a ano. Mas em 2011 se pretendia 4,6, e o Brasil chegou a 5. Só anda mais devagar o ensino privado (que subiu para 6,5 em vez de 6,6), mas este já começou no mesmo patamar de nota que os países da OCDE. A nota no Ideb mede o desempenho e, assim, induz políticas de longo fôlego. Mas os professores também precisam de um projeto de longo prazo. Quantos professores há na educação básica? Segundo o Inep, em 2011 havia 2,045 milhões de funções docentes na educação básica - mas o dado é de funções, não de docentes, porque há quem trabalha em dois lugares. Já quando os separamos por dependência administrativa, isto é, por quem lhes paga o salário, o número sobe a 2,26 milhões, porque a mesma pessoa pode dar aula no setor público e no privado. Quase 46% lecionam nas redes municipais, 32% nas estaduais, 21% na área privada e menos de 1% nas unidades federais. Temos 2 milhões de professores. Que metas devemos ter em relação a eles? Seria impossível dar a todos um aumento único e de impacto, já. A proposta ambiciosa, mas viável, seria criar uma carreira para 3 milhões de professores em sala de aula - ao longo de 20 anos. O ideal é uma carreira federal: ou se federaliza a educação mudando-se a Constituição, ou a União coloca dinheiro e cobra em qualidade alta. Por exemplo, o professor começaria recebendo R$ 3 mil e teria um plano de carreira factível, que aumentaria gradualmente seu salário, levando em conta só o seu desempenho. Seriam realizados concursos regulares de provimento de cargos, contratando 150 mil novos docentes por ano. Os atuais professores poderiam concorrer a eles, em igualdade de condições com qualquer pessoa. A seleção se faria apenas por conhecimento da matéria e capacidade de lecionar, os critérios essenciais. Assim, conviveriam por um tempo os professores da carreira federal, com um bom selo de qualidade, e docentes sem a mesma qualificação, mas que manteriam seus direitos até se aposentarem e que poderiam disputar a nova carreira, com as vantagens que esta daria. Assim entendo a proposta Cristovam. A seleção dos novos se daria em todas as disciplinas, renovando integralmente o sistema escola por escola, criando assim ambientes mais qualificados de ensino. A renovação beneficiaria todas as classes sociais, na proporção que têm na sociedade, o que implica atender à classe média e mesmo à rica, mas sobretudo à multidão dos bairros pobres e periféricos. Para promover a inclusão social, é mais eficiente do que as cotas. Mas para funcionar isso exigirá ações integradas, inclusive no plano dos transportes, construções e segurança pública. A proposta fixa parâmetros claros. Não se melhora a educação sem bons salários - nisso têm razão os sindicatos. Mas não basta subir os salários para os professores se tornarem bons - nisso têm razão os pesquisadores críticos ao mundo sindical. O que fazer? Unir as duas perspectivas. Aumentar os salários em função do desempenho. Mas, sobretudo, definir metas num prazo factível. Isso é melhor do que simplesmente subir para 10%, sem contrapartidas ou avaliação da qualidade, o dinheiro investido na educação.
* Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
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