Durante o governo João
Goulart mantive-me na oposição, seguindo meu partido, a UDN, mas sem deixar de
reconhecer a necessidade de profundas reformas políticas e sociais. No dia 18
de março de 1964, preocupado com o clima de instabilidade que vivia o país, fiz
um discurso marcante na Câmara dos Deputados, lembrando o manifesto chamado “da
Bossa Nova”: “(…) já vinha de um grupo nosso que na legislatura anterior achava
que o problema que o Brasil enfrentava no momento não era somente da liberdade
política, mas a inteira interdependência da liberdade política com a liberdade
econômica e a liberdade social (…)”. Eu defendia reformas sociais, políticas e
administrativas. Citando a reforma agrária, que parecia um tabu, afirmava:
“Devemos discuti-la, votá-la, urgentemente. Será a sobrevivência desta Casa e
do próprio regime. Em caso contrário, poderemos ficar à mercê da vontade, do
temperamento, da exploração ou das palavras não só do presidente da República,
mas de qualquer grupo de políticos que desejem fechá-la, fechando o caminho das
soluções democráticas para o Brasil”. E concluía: “Minha palavra não tem o
sentido de dividir, mas de unir; não representa uma controvérsia, mas uma
unidade, unidade que desejo conseguir para que tenhamos força a fim de retirar
do debate eminentemente político a solução de nossos problemas e dar ao Brasil,
à Câmara e às nossas instituições a solidez que todos desejamos que elas
tenham, para praticarmos no Brasil uma democracia que seja duradoura, justa e
humana”. Infelizmente, minhas palavras foram superadas pela radicalização das
forças políticas. Vivia-se um momento em que se especulava sobre uma ruptura
institucional originada do próprio governo ou do grupo reunido em torno de
Leonel Brizola. Apesar disso, não participando de nenhuma conspiração, para mim
e para a maioria do Congresso, creio, foram uma surpresa os acontecimentos de
31 de março e 1º de abril. Meu sentimento em relação ao processo que se iniciou
foi de que sua solução devia seguir a volta aos trilhos do processo
constitucional. Nesse sentido, ainda nos primeiros dias de abril me manifestei
contra a posição do presidente da UDN, Herbert Levy, que sugeria a cassação de
mandatos dos parlamentares de esquerda, dizendo que “a democracia se mostra com
vitalidade bastante para reagir contra os que a ameaçam, usando para isso,
simplesmente, os instrumentos jurídicos de que dispõe. Todos os recursos legais
podem ser empregados, mas não concordo em que se caia no arbítrio e na
violência a pretexto de defender o regime das liberdades. Aqui não se cassa
mandato de ninguém fora dos termos previstos na Constituição. A nossa Carta
Magna deve ser respeitada a qualquer preço”. Aconteceu o pior, que foi a agregação
do poder político pelos militares.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário