Moisés de Oliveira Nazário

Participante da Marcha da Família entra em conflito com manifestantes de ato Anti Fascista no Rio
VEJA MAIS
Cinquenta anos depois do golpe de 1964 e 30 anos após o movimento das Diretas Já, alguns grupos, mesmo minoritários, se movimentam para fazer barulho nas redes sociais e nas ruas expressando saudade da Ditadura Militar, a despeito da repressão e da ausência de liberdades que marcou o período.
“Na ditadura havia ordem, a economia crescia mais, não havia corrupção. Bom mesmo era na época dos militares. O Brasil precisa de uma intervenção militar já”, postou recentemente um entusiasta da intervenção das Forças Armadas na política.
Nos últimos dias, houve inclusive algumas tentativas de reviver a famosa “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, realizada em 19 de março de 1964 para protestar contra o então presidente João Goulart e as reformas de base, que ele havia proposto dias antes no também famoso comício da Central do Brasil – reformas estas vistas como um prenúncio do comunismo pelos grandes proprietários de terra, mas também por segmentos expressivos da classe média urbana.
A marcha de 1964, que reuniu centenas de milhares de pessoas em São Paulo, foi considerada na época um sinal de apoio ao Golpe, que já era cogitado nos quartéis. As versões de 2014, no entanto, reuniram pouca gente: cerca de mil em São Paulo, 150 no Rio de Janeiro, uma centena em Belo Horizonte e apenas nove pessoas em Natal. As tentativas de reeditar a famosa marcha que deu impulso ao Golpe de 1964 esbarraram não só no baixo comparecimento, mas também em grupos de esquerda, que se manifestaram contrariamente, tanto pela internet quanto em pequenas passeatas. Como resultado, no Rio e em São Paulo chegaram a ocorrer confrontos entre os dois grupos de manifestantes.
Nas redes sociais, especialmente no Facebook, há comunidades e páginas pedindo uma nova intervenção militar ou defendendo a imagem da ditadura. Elas divulgam frases atribuídas aos presidentes generais e manifestam nostalgia dos governos militares. “Já deveria ter voltado [a ditadura], ou melhor, nunca ter saído. Que volte o regime de um país sem políticos corruptos”, diz um internauta em uma delas. Outro afirma: “Tenho saudades da época em que vivíamos governados pelos militares. Tínhamos segurança e não éramos roubados como hoje”. “O povo saiu às ruas e pediu a intervenção militar... nunca houve golpe”, comenta uma internauta na página Notícias do Senado na rede.

- A democracia só é democrática se permite que grupos que preguem inclusive a sua extinção ou sua suspensão possam também se manifestar – afirma.

Página de grupo pró militares no Facebook
Paulo Kramer observa que o contexto atual é muito diferente daquele de 1964, principalmente pela ausência de grandes lideranças. Hoje, explica, os militares têm bem menos influência sobre a opinião pública do que tinham antes e já não ocupam mais o centro da vida política - até porque os generais agora ficam menos tempo na ativa.
- No máximo, os chefes militares formam opinião da porta do quartel para dentro, não para fora. Isso é bom porque um dos pilares de uma democracia saudável é o que os cientistas políticos chamam de 'controle civil do estabelecimento militar'.

- Foi um fracasso absoluto: tanto de um lado quanto do outro não apareceu ninguém. Isso talvez nos leve a acreditar que há uma certa consciência no Brasil de hoje, 50 anos depois, de que a democracia é o melhor remédio para qualquer situação de crise – avalia.
Crescimento econômico
As estatísticas mostram que, durante o regime militar, a economia brasileira cresceu mais do que depois da redemocratização: segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a média anual de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1964 a 1984 foi de 6,3%, contra 3,4% entre 1985 e 2013. Mesmo assim, a média de crescimento durante o regime militar foi inferior à dos anos democráticos que o precederam: 7,13% anualmente, entre 1948 e 1963. No entanto, o crescimento durante o regime militar, que ficou conhecido como “milagre econômico” não foi duradouro e não beneficiou toda a população. É o que explica o professor Antonio José Barbosa.
- O “milagre” se assentava em duas bases: o arrocho salarial e a contratação de empréstimos estrangeiros em uma época em que havia uma quantidade muito grande de capitais circulando no mercado internacional. Com a crise do petróleo, os juros subiram à estratosfera e a dívida do Brasil ficou cada vez mais insustentável, impagável. Com isso, o milagre acabou em 1973 – lembra.

- Antes de 1964, o índice de GINI era de 0,46, tínhamos um país menos desigual. Durante a ditadura, o índice chegou a ser de 0,65. A ditadura aprofundou a desigualdade, acumulou riqueza nas mãos de poucos - afirma, mencionando o índice usado para medir a distribuição de renda e que é considerado tanto mais positivo quanto mais próximo de zero.

- A corrupção era consentida, era organizada e a sociedade não tinha direito de criticar. Não havia como denunciar qualquer desvio porque isso era considerado subversão. A corrupção naquela época era maior e menos visível – avalia.
Ditadura nunca mais
Vários senadores manifestaram seu repúdio a essa nostalgia da ditadura. Para Randolfe Rodrigues, querer a volta dos militares “é fascismo”.

- As pessoas que pedem por isso não conheceram, não viram, não sabem nada da nossa História e não fazem ideia do que estão propondo – afirma.

- Se você estiver em uma ditadura e disser que quer a volta da democracia, você é preso e torturado. O seu direito de opinião e expressão não existe. Que bom que no sistema democrático eu possa dizer "viva a liberdade", "viva o protesto", que bom que as pessoas têm o direito de opinião – destaca.

- A democracia nos trouxe a possibilidade de nós mesmos, a partir das informações que temos, da nossa mobilização, definirmos o que nós queremos para as nossas famílias, para a comunidade em que vivemos, para nossa sociedade.

- Que ocorram no país manifestações pacíficas defendendo a democracia, a competência e o fim da impunidade – sugere.

- São atitudes isoladas que não representam nem 1% da população brasileira – ressalta.

- Essas coisas parecem não ter importância, mas têm importância e temos que derrotá-las agora, no início – alerta.

Agência Senado
Nenhum comentário:
Postar um comentário