O presidente José Sarney falou ao "La Nacion" sobre histórico, vitórias, dificuldades e futuro do Mercosul - organismo que idealizou e que celebra 20 anos de existência. "Antes do Mercosul, os países sul-americanos viviam de costas uns para os outros", disse relembrando a parceria com os presidentes Raul Alfonsín, da Argentina, e Julio Sanguinetti, do Uruguai. Juntos conseguiram vencer rivalidades históricas para construir os alicerces do Mercosul.
"Integração da América Latina é irreversível", diz senador e ex-presidente brasileiro, José Sarney, que acredita que o Mercosul tem sido a pedra angular fundamental para este processo. Ele foi um dos arquitetos do Mercosul, junto com o ex-presidente da Argentina, Raul Alfonsín. Logo que assumiu após a morte inesperada do presidente eleito, Tancredo Neves, enviou seu ministro das Relações Exteriores, Olavo Setubal, a Buenos Aires para propor uma mudança profunda nas relações entre os países. Alfonsín, com as mesmas idéias, deu luz verde e a 30 de novembro daquele ano assinaram a Declaração de Iguaçu, que seis anos mais tarde daria como fruto o Mercosul. Em meio a sua agitada agenda, Sarney recebeu ao “La Nacion” para analizar passado, presente e futuro do bloco.
Quais foram os principais resultados do Mercosul?
"Os resultados do Mercosul têm sido extraordinários, começando com fim das rivalidades históricas Brasil e Argentina, que não tinha nenhum sentido e era uma hipoteca das velhas guerras do Prata; vivíamos de costas uns para os outros, concentrados no passado. A aproximação entre Brasil e Argentina deu grandes avanços nos aspectos político, econômico e social dos dois países.
Que falhas houve no processo de integração?
A mudança de foco aconteceu. Quando o concebemos com Alfonsin, a nossa idéia era criar um mercado comum, como o europeu, que não fosse só uma integração econômica, mas também política, física, de complementaridade. Nós sonhamos com um banco de desenvolvimento para toda a área, outro de compensação e uma moeda comum; e também idealizamos a cláusula democrática, que acabamos estabelecendo, o que desencadeou o fim de todas as ditaduras sul-americanas. Quando chegou Carlos Menem, decidiu-se que seríamos apenas uma área de livre comércio, quando na verdade a idéia original não se resumia a isso.
Quais são os principais problemas que você vê hoje?
Cada uma das nossas economias tem particularidades, por isso queríamos fazer avançar a integração por etapas, por setores, mas se perdeu a perspectiva de conjunto e de futuro. Houve então um desequilíbrio muito grande em diversos setores da economia, uns prejudicando o Brasil outros, a Argentina. Isso fez com que a base teórica do Mercosul começasse a desaparecer. Cada país passou a buscar proteção; é algo natural.
Qual foi a mais difícil das negociações com Alfonsín?
A acomodação dos interesses corporativos, tanto brasileiros quanto argentinos. O que melhor ilustra isso é o problema do trigo. O nosso custava o dobro e não se poderia comprá-lo pela metade dos argentinos. E os argentinos reclamavam de nossas maçãs.
Como vê os problemas hoje, com os obstáculos colocados pelos argentinos e os subsídios concedidos pelo Brasil?
São problemas episódicos, que devemos superar até que todo o processo de ajuste, E mesmo quando já ajustados, teremos de saber lidar com novas diferenças e problemas que surjam. Mas a idéia básica do Mercosul está consolidada e já temos um espaço econômico próprio no mundo. Agora também dependemos muito mais da economia mundial, os efeitos são sentidos mais, porque somos maiores. O comércio intra-regional tem sido muito importante, porque criou trabalho para nossaspopulações.
Você vê a falta de uma maior institucionalização como uma conta pendente?
É apenas uma questão de tempo que este projeto se consolide e seja um êxito. Na minha opinião, já tivemos a idade de ouro da Europa, a era dourada os EUA. E estamos nos anos dourados da Ásia, que começou com os "tigres asiáticos" e agora com o fortalecimento da China. A próxima etapa do mundo vai ser, sem dúvida alguma, dias de auge para a América Latina.
Mas nestes anos não foram adicionados novos membros?
Devemos considerar que a UE levou muito tempo e não será possível adicionar novos países ao Mercosul sem que estejam realmente preparados para suportar o peso ser parte de uma economia desse porte. Na Europa, cada país teve de ser ajudado, preparado, para que o impacto da entrada fosse positivo.
O que você acha dos acordos com o Egito e Israel, e que acha que vai acontecer com a União Europeia?
Demonstram que estamos nos movendo e já temos outra dimensão. Nossas comissões estão trabalhando muito com a UE, e acho que em breve será alcançado. Não é só um interesse nosso, mas deles também. A Europa está num processo difícil de superação da crise, enquanto aqui sentimos muito menos os efeitos.
Perfil Profissão: advogado e escritor
Idade: 80 anos
Carreira: Ele foi presidente do Brasil de 1985 a 1990 após a ditadura militar que governou o país por duas décadas. Além de ser um membro da Academia Brasileira de Letras, foi governador, e como senador, tem presidido o Senado em 1995-1997, 2003-2005 e desde 2009 até hoje.
Links para acessar Caderno Especial do La Nacion sobre o Mercosul:
Veja também:
Secretaria de Imprensa da Presidência do Senado
Tradução: Said Barbosa Dib
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