sexta-feira, 4 de março de 2011

José Sarney

Eu não morri!

Esta frase foi do meu conterrâneo Gonçalves Dias, quando, naquele tempo da navegação à vela, em que as notícias iam pelo vento, os jornais do Rio de Janeiro noticiaram sua morte. Houve uma série de homenagens, artigos, críticas, louvores, e ele teve a oportunidade de saber o que pensavam de si e de sua obra depois que não mais estivesse vivo. Estava na Europa. Quando soube, ficou indignado, reagindo com maus bofes. Contou que “fiz noite e pus-me de nojo”, mas reclamou que “não se apressavam em desanojar-me (!) e isso me começou a enjoar”. Não se conformou com a notícia e “de repente quis bater com a mão na testa a modo dos vivos”. Mas raiva mesmo teve do jornal em que escrevia, que lhe dedicara somente duas colunas: “de uma parcimônia, de uma somiticaria (sovinice, mesquinharia), de uma avareza inqualificável”. Eu fui mais tranquilo quando li o meu obituário, que foi publicado nesta semana, não porque tenha morrido, mas para mostrar que já estavam se preparando para minha morte. E haja notícia em jornal, bombando na internet. Aos jornalistas que me esperavam no dia seguinte e não fugiram à pergunta óbvia, respondi apenas: “Estou chegando do céu, São Pedro me fez voltar dizendo que ainda não é minha vez.” Voltei e fiquei achando que foram generosos nos elogios, apesar de algumas maldades e injustiças com que alguns inimigos me brindaram. Bem que foram breves. No mais até que não fiquei como meu conterrâneo, amargurado. Quando, em 1953, a Rainha mandara preparar o funeral e as pompas que mereceria o nosso grande Churchill, acharam que estavam se antecipando e mandaram suspender os trabalhos. Em 1957, os anos correndo e ele resistindo, a organização começou no maior sigilo. Ele não soube e só veio a morrer em 1965. A Operação teve o nome de “hope not” – espero que não. Mark Twain, também, foi atingido pela notícia de sua morte, que ele leu e achou que essa pressa fora “um exagero”. O morto tinha sido um seu primo que também não morrera. Eu sempre penso como irei apresentar-me ao Criador. Não quero que Ele ache que estou bajulando, mas de joelhos agradecendo pelo que me deu, pelas sementes que colocou em minhas mãos. Mas é de mau gosto essa mania de achar que velho tem de morrer logo e até prepararem seu necrológio, e isso faz com que meu ser supersticioso fique tremendo nas bases. Afinal Rui Barbosa dizia que duas coisas são certas e imutáveis: o nascer e o morrer. Mas ninguém se meta na vontade Dele. Pelo menos é o que desejo.
N.B.: O céu está cheio de moças bonitas e a comida é feita de nuvens azuis e adocicadas.

José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.

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