Peru à brasileira
O Peru, como o Brasil, teve em sua história recente comuns atropelos com os militares e divisões pseudo-ideológicas a pregar reformas de base esotéricas, xenofobias desesperadas e populismo anárquico. Essa fase, para eles, só acabou em 85, com o término do mandato de Belaúnde Terry e a eleição de Alan Garcia em seu primeiro governo. A política peruana sempre foi comandada pela aristocracia crioula de Lima ou pelos “incas”, militares que comandavam, como Velasco Alvarado, idéias autoritárias com base ideológica. Era frágil a estrutura democrática e o interior permanecia com a população indígena mergulhada na miséria absoluta. Como complicador inesperado surgiu essa inacreditável cunha chamada Fujimori — a quem recusei receber em meu primeiro mandato de presidente do Senado, em 1996, por ter fechado o Congresso peruano —, que ainda resiste com sua filha Keiko, herdeira do populismo, candidata nas últimas eleições. A disputa se processou, como na eleição de Lula em 2002, sob dicotomias: “medo e esperança”, “medo e populismo”, “medo e moral”. Ollanta Humala, o primeiro “cholo” puro a romper a tradicional divisão do Peru, outrora radical e partidário da violência, converteu-se à “realpolitik”. Respeito aos mercados, estabilidade fiscal, promessas de inclusão social e distribuição de renda. O Peru vive uma fase de grande crescimento; o problema de Humala será mais fácil, porque não precisa, como no Brasil em 2002, retomá-lo, mas mantê-lo com justiça social. Pesa sobre a população a herança da guerrilha do Sendero Luminoso e a profunda divisão entre o interior e a capital. Basta ver que Keiko Fujimori ganhou por 57% as eleições na grande Lima e foi o apoio maciço do interior a Humala que decidiu. Lá, como cá, os problemas sociais são graves. As disparidades de renda e de qualidade de vida são maiores do que as nossas, e aqui não temos a questão étnica que no Peru é tão forte. Entre Hugo Chávez e Lula, Humala aderiu na campanha ao modelo brasileiro. Resta saber se o seu temperamento e suas origens de coronel radical podem vestir a camisa do diálogo e da transformação, como nosso líder operário vestiu. A campanha foi à moda brasileira com os mesmos temas e os mesmos fantasmas. O medo foi a palavra mais usada durante todo o processo eleitoral e ainda remanesce na ressaca dos resultados. A Bolsa caiu 12%. Aqui, em 2002, o dólar foi a 3,40 reais. Mas nós vencemos o medo e a esperança valeu. Resta saber se o Peru sai do seu labirinto histórico e dará continuidade a seu vigoroso crescimento (5,5% ao ano) ou se Humala será preso e seduzido pelos seus demônios passados. Mas uma coisa já fez: sua primeira visita foi ao Brasil. Começou bem.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
jose-sarney@uol.com.br
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
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