Resultado da CPI que investigou o Escritório Central
de Arrecadação e Distribuição (Ecad) no ano passado, o Projeto de Lei
Suplementar 129/12 mal saiu do papel e já promete criar um dos maiores rachas
do universo cultural brasileiro. A proposta pretende garantir mais
transparência ao órgão que movimenta quantias milionárias a cada ano e que
recebeu 21 indiciamentos de dirigentes e funcionários por supostas fraudes e
improbidade administrativa. Antes de decisão do Congresso, Frejat, do Barão
Vermelho, compara escritório a uma “ditadura”. Para Sandra de Sá, CPI foi um
“circo”. O Ecad é o órgão brasileiro responsável por arrecadar e distribuir
toda a verba proveniente dos direitos autorais no Brasil. Não é pouco. Apenas
em 2011 a
entidade arrecadou 411,8 milhões de reais. O problema, segundo parte dos
profissionais diretamente envolvidos com a questão, está nos critérios de
preços, na transparência dos dados e na distribuição dos recursos. Hoje,
estima-se que apenas 92,6 mil autores recebem pelos direitos autorais, num
universo de 300 mil filiados. O vocalista Frejat, líder do Barão Vermelho, está
entre os 92 mil músicos que recebem os repasses, mas diz ter motivos para se
mostra descontente com o funcionamento do órgão. “Hoje a distribuição dos
direitos autorais no Brasil é injusta e perversa”, afirma. “Eu não quero o que
não é meu, mas também não quero que ninguém fique com o meu. Eu quero o que é
justo.” Um dos problemas apontados por críticos como Frejat é o critério de
amostragem definido pelas músicas que tocam nas rádios (95%) e na televisão
(5%). Enquanto isso, casas de diversão, como bares, boates e casas de show
ficam fora do sistema. O dono do estabelecimento tem o repertório e envia para
o Ecad, que paga por amostragem. “É um critério inconsistente porque o que toca
em um bar de samba de raiz não é o que mais se escuta em uma rádio”, explica
Tim Rescala, da Associação de Intérpretes e Músicos (Assim). Por esse critério,
explica ele, “paga-se uma coisa com o universo de outra”, completa Tim. “Todas
as rádios do Brasil são operadas por, pelo menos, um computador. Por que o Ecad
não pede a planilha mensal com a programação dessas rádios?”, indaga Frejat. “O
Ecad não faz o melhor que pode”. O investimento em tecnologia do escritório é
voltado para a arrecadação e não para a distribuição, entoam o grupo formado
por Tim e Frejat. “Hoje, o Ecad se preocupa em como arrecadar mais e não em
como distribuir melhor”, afirma Tim. De outro lado, a ala a qual pertence
Sandra de Sá e Jairzinho, entre outros, defende que o escritório deve resolver
seus próprios problemas, sem ser exposto a uma CPI ou a uma regulamentação
federal. “Em vez de a gente ficar aqui falando uma série de coisas, vamos
sentar todo mundo junto e conversar: usuário, criador, Ecad, sociedade.
Inclusive vai ficar mais barato do que esse circo todo [CPI]“, disse
Sandra de Sá em uma sessão da CPI do Ecad, em 2011. Para o grupo de Frejat, no
entanto, falta transparência e democracia nos processos de decisão do órgão.
“As decisões não são debatidas com os associados. Quem se interessa não
consegue ter acesso aos dados, como atas, reuniões e definições de critérios
para os preços”, aponta Frejat. Em suma, o Ecad, como se encontra hoje, é um
órgão incapaz de resolver internamente seus problemas e, por isso, a questão
movimenta tanto os bastidores do Congresso, que tem o compromisso de votar o
projeto até março. A deputada federal Jandira Feghali, líder da Frente
Parlamentar de Cultura, e os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Lindbergh
Farias (PT-RJ) sugeriram na CPI reformas no escritório e um órgão de regulação.
O Projeto de Lei, em tramitação no Senado, trabalha em duas frentes distintas e
polêmicas. Por um lado, sugere reorganizar a estrutura do escritório a fim de
dar mais publicidade e transparência na gestão dos recursos e na definição de
critérios para o pagamento dos direitos autorais. Em outra frente, deixa para o
Executivo a tarefa de criar um órgão permanente de fiscalização. “Há que se ter
algum grau de fiscalização do Estado sobre um monopólio privado ou um
escritório de interesses coletivos”, afirma a deputada federal Jandira Feghali,
líder da Frente Parlamentar de Cultura. “O Estado deve retomar seu papel de
fiscalizador”, completa a deputada, fazendo menção ao antigo órgão de
fiscalização extinto pelo governo Collor, em 1990, o Conselho Nacional de
Direito Autoral (CNDA). Apesar do aparente avanço, a iniciativa de fiscalização
coleciona críticas de dentro do Ecad e enfrenta movimentações de bastidores
para ser derrubada. Em declaração assinada por Glória Braga, superintendente
executiva do Ecad, o escritório diz que “está claro que o PLS 129/12 é
tendencioso, tecnicamente insustentável e apresenta inconstitucionalidades
flagrantes”. O comunicado também desqualifica o processo pelo qual o projeto
foi concebido. Segundo a nota, o projeto não é fruto do processo legislativo
ordinário, pois tem sua origem em uma CPI cujo relatório final, “desconsiderou
todos os depoimentos técnicos apresentados”.
Ditadura. “O Ecad virou uma ditadura, sem transparência
e sem voz dos associados”, afirma Frejat. Atualmente, o peso de voto das nove
associações que compõem o Ecad é definido por arrecadação apenas. Hoje, 90% da
arrecadação seguem para duas sociedades – a UBC e a Abramus -, segundo o
compositor Tim Rescala, da Assim. Das nove sociedades que compõem o Ecad, duas
não têm direito a voto, enquanto outras – como a Assim, de Tim Rescala, tem
direito a um voto apenas. A Abramus possui 13 votos. Essa situação, reclama
Frejat, “é um dos impeditivos do processo democrático dentro do Ecad”. Soma-se
a isso a permanência das mesmas pessoas em cargos-chave dentro das associações
por muito tempo. “A Abramus possui o mesmo presidente há mais de 20 anos,
enquanto outras fazem um revezamento do cargo entre diretores”, conta Tim.
“Essa concentração de poder, por si só, já não é uma democracia”, completa,
defendendo a necessidade de um órgão de fiscalização externo ao escritório. Em
nota, o Ecad declara que não teme qualquer tipo de supervisão desde que venha a
ser realizada sem viés político, dentro dos limites constitucionais, e que
preservem o direito do autor de fixar o preço pela utilização de sua obra.
Contudo o órgão, não enxerga com bons olhos uma interferência externa. Na mesma
nota, o Ecad diz que “o PLS 129/12 prevê a possibilidade do Ministério da
Justiça atuar administrativamente para a resolução de conflitos sobre valores a
serem cobrados se arrogando na prerrogativa constitucional conferida unicamente
aos criadores”. Enquanto o escritório vive uma indefinição sobre se
será fiscalizado ou não, a alternativa possível para quem discorda dos
critérios do órgão é a Justiça. Para Frejat, hoje o Ecad tem um investimento
muito maior no setor jurídico do que no aprimoramento de suas funções. “O Ecad
é quem define o preço e paga, sem discussão. Se o músico não gostar ele vai na
Justiça, que dá ganho de causa para o escritório, porque os critérios de
pagamento são do próprio órgão”, conta. “Eles não perdem uma (ação). Não
queremos o confronto, mas o Ecad não nos deixa opção, tem que ser na marra”.
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