A Lei Geral da Copa enviada pelo governo ao Congresso Nacional é uma “legislação de exceção” e submete uma nação soberana e em desenvolvimento aos caprichos de uma entidade internacional envolvida em uma série de irregularidades. “O Brasil não deve se submeter a essa chantagem da Federação Internacional de Futebol Associado [Fifa]“, defende o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), autor de requerimento aprovado na Comissão de Constituição e Justiça que convoca o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, a prestar esclarecimentos sobre o tema. O senador do PSOL compara que “essa legislação assemelha-se às piores legislações impostas ao Brasil na época da ditadura. Suspende 14 dispositivos do Estatuto do Torcedor e impõe ao ordenamento jurídico brasileiro – e isso nunca ocorreu aqui – uma cláusula penal. Proíbe o brasileiro, na prática, de comemorar a celebração da Copa do Mundo sob pena de ser preso.” Rodrigues espera altivez do novo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, que toma posse hoje, para não se curvar aos desmandos da Fifa. O partido promete ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a Lei Geral da Copa se ela não for alterada.
DCI: Qual é a sua avaliação sobre a proposta da Lei Geral da Copa encaminhada pelo governo?
Randolfe Rodrigues: Para o Brasil, a Copa do Mundo já começou, e a primeira partida do Brasil é contra a Fifa. A lei é uma imposição descabida da Fifa à soberania brasileira. Nas últimas Copas do Mundo, a Fifa tentou impor esse mesmo tipo de legislação de exceção: na Alemanha e na África do Sul . Na Alemanha, não conseguiu impor; na África do Sul, conseguiu. O Brasil vai ter de conseguir, através do seu parlamento, se portar diante da Fifa como a Alemanha se portou. Essa legislação é uma afronta à nossa soberania.
DCI: Quais são os pontos que o senhor considera mais críticos da proposta do governo?
RR: A Lei Geral da Copa suspende 14 dispositivos do Estatuto do Torcedor, que é o que tem de mais avançado com relação ao tema.
DCI: Deve ser mantida proibição ao consumo de bebidas alcoólicas?
RR: O Estatuto do Torcedor, como medida de prevenção, proíbe bebida alcoólica nos eventos esportivos. A Lei Geral permite a bebida, mas impõe uma condição: só pode ser permitida bebida de patrocinadora da Fifa. Ou seja, além de suspender medida de segurança que existe no Estatuto do Torcedor, traz a imposição de que todos os torcedores só utilizem bebida patrocinadora da Fifa.
DCI: Mais grave que isso, é o conceito que o professor Carlos Wagner, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que diz que a Lei Geral traz o conceito de exclusão. Tudo em torno do evento esportivo fica sobre controle da Fifa. Aliás, controla o comércio também nesse entorno, não é isso, senador?
RR: Os torcedores que estiverem no entorno do evento esportivo também vão ser obrigados a utilizar somente as marcas dos patrocinadores da Fifa. A Lei Geral também detona a responsabilidade civil das entidades patrocinadoras de eventos esportivos. Excepcionalmente, com a Lei Geral, a Fifa não pode ser responsabilizada civilmente, por danos ocorram durante o evento. Essa é uma situação única, paradoxal que é a seguinte: toda responsabilidade sanitária, alfandegária e de saúde, é de responsabilidade da União. O mais grave que percebo é a imposição ao ordenamento jurídico brasileiro de uma cláusula penal, que é a seguinte: as marcas Mundial de 2014, Copa do Mundo e Brasil 2014 são exclusivas da Fifa. Se um brasileiro pintar o seu muro com Brasil 2014, em alusão à Seleção Brasileira, poderá ser processado pela Fifa. Pode, em decorrência desse processo, ser detido de dois a três meses e ainda pagar multa. Esse é o mais absurdo dos absurdos.
DCI: O deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da Lei Geral da Copa, pondera que as exigências da Fifa podem ser aceitas porque são temporárias. Como o senhor analisa isso?
RR: É uma legislação que só existirá no País para atender aos caprichos da Fifa. Estamos fazendo uma concessão a uma entidade internacional, com dirigentes envoltos em suspeição por desmandos administrativos. Se o Brasil aceitar isso, qual o respeito que poderá ter no cenário internacional? Outra coisa é a seguinte: se o governo brasileiro sabia dessas imposições, quando assinou em 2007 o contrato para sediar a Copa, o povo brasileiro, o Parlamento brasileiro não sabiam dessa imposição. O governo deveria ter perguntado à representação do povo brasileiro, que é o Congresso Nacional, se aceitaria esse tipo de imposição. Por outro lado, o Brasil é grande demais para se dobrar a uma chantagem da Fifa. Proponho que não aceitemos essa imposição. E tenho certeza de que a Copa continuará sendo no Brasil. A Fifa não tirou a Copa da Alemanha pelo fato de ela não ter aceito essas condições. Ou o Brasil se submete ou vai se colocar como nação soberana, como país em desenvolvimento, com ascendência no mundo e na economia do planeta.
DCI: Qual é a sua avaliação sobre o presidente da CBF, Ricardo Teixeira?
RR: Acho que esse senhor não teria condições de ser representante de uma entidade de esportes aqui no Brasil. Está envolvido em graves denúncias de má versasão de contratos e dos recursos do futebol brasileiro. Mas a ideia de convocá-lo para ir ao Parlamento é como representante da Fifa aqui e ouvir qual é a explicação da Fifa.
DCI: Qual é a sua opinião sobre a questão da meia entrada para os estudantes e para os idosos?
RR: São conquistas do povo brasileiro. Fui militante do movimento estudantil no final dos anos 80 e início dos anos 90. Participei de uma geração que foi às ruas para lutar por esse direito de ter a meia entrada em eventos culturais e em eventos esportivos para a juventude. Eu fui designado para relator do Estatuto da Juventude. Minha intenção é manter essas conquistas e não nos submetermos a essa pressão. São direitos humanos conquistados por idosos e pela juventude brasileira.
DCI: O senhor já avaliou o Regime Diferenciado de Concorrência (RDC), feito para a Copa e as Olimpíadas?
RR: Votei contra o RDC, porque é drible ao artigo 37 da Constituição, que pauta a administração pública pelos princípios da moralidade, da impessoalidade, publicidade e eficiência. A moralidade é sacramentada nas compras públicas por meio do processo licitatório. Já flexibilizamos a Lei das Licitações [Lei 8.666] e por culpa disso, segundo o relatório do Tribunal de Contas da União, os preços para a construção dos estádios dobraram.
DCI: Qual deve ser a postura do novo ministro do Esporte, deputado Aldo Rebelo?
RR: Falar firme e grosso e com altivez diante da Fifa. O ministro do Esporte é ministro do Esporte do Brasil, do Estado brasileiro. O deputado Aldo Rebelo sempre foi reconhecido por sua postura em defesa do Brasil.
DCI: Em relação ao ingresso de estrangeiros, a Fifa defende a flexibilização por se tratar de um evento internacional. Isso é razoável?
RR: Já que estamos falando em futebol, temos de definir as regras do jogo anteriormente. Se haverá uma flexibilização, que seja para todos os estrangeiros e não somente para os convidados da Fifa. Primeiro, acho que isso fere a regra do direito internacional, que é regido pelo princípio da reciprocidade.
DCI: Ação judicial se a proposta for aprovada?
RR: O texto como está é inconstitucional. Espero que a Câmara mude. Se isso não ocorrer, não titubearemos de recorrer ao Supremo Tribunal Federal.
Quem é
Randolfe Rodrigues é pernambucano de Garanhuns, reside no Amapá desde os oito anos de idade, onde se formou em história pela Universidade Federal e atuou como professor. Em 2010, foi o senador mais votado do Estado do Amapá com 203.259 votos, tornando-se o mais jovem integrante do Senado Federal da atual legislatura.
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