terça-feira, 26 de março de 2013

José Sarney

Seca ou estiagem

Minha impressão é totalmente recolhida de depoimentos de pessoas de todas as partes do Estado. Acredito que não há um levantamento atualizado das consequências do período de chuvas irregular que estamos tendo este ano. Diz-se no nordeste do polígono das secas que sua melhor indicação são as chuvas no Maranhão, quando elas aqui começam cedo e são abundantes é sinal de que será um ano bom de águas para os nossos irmãos nordestinos. O Maranhão sempre esteve ligado ao problema das secas. Quando não é por falta de chuvas é pelos problemas que as secas do Nordeste trazem para o nosso Estado. O mais visível deles, a população. Quando fui Governador do Maranhão, de 1966 a 1970, mandei fazer um levantamento estatístico sobre a nossa população e uma das constatações mais reveladoras é de que a metade da população do Maranhão tem origem nordestina. São descendentes de emigração daquela área. Eu mesmo tenho mãe pernambucana, avô piauiense, avó paraibana. Quando entrei para a Academia Brasileira de Letras, o governador de Pernambuco, então Marcos Maciel, doou-me a espada, dizendo-me “essa é sua metade pernambucana”. A influência dessa migração tinha por origem as atrações de que aqui é região úmida e o sistema fundiário não estava perfeitamente definido, o que facilitava o assentamento dos retirantes. Quanta vezes, menino em Coroatá, nos anos de seca, vi chegar aquela leva de nordestinos, tangidos pela fome e pela perda de todos os seus bens, obrigados a emigrar, trazendo apenas a miséria, a boca, o machado e uma família deslocada, fugindo da seca e do destino que marca a história desse povo sofrido e lutador. Já o Padre Claude d’Abbeville, na sua história dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão, relata um depoimento dos índios sobre uma seca tremenda havida no Maranhão que destruíra as plantações e semeara uma fome grande. Os próprios tupinambás que habitavam a Ilha de Upaon-Açu, hoje nossa São Luís, eram retirantes do Nordeste, fugindo da perseguição dos portugueses. Este ano estamos diante de um período calamitoso. Na capital mesmo choveu muito pouco, os reservatórios estão secos, na Baixada os campos não encheram e no sertão as chuvas irregulares fizeram com que se perdessem as roças, pois o arroz não “encheu o cacho e o milho mirrou”. A produção agrícola teve uma perda de cerca de 30% e vai necessitar uma ajuda dos bancos que financiaram a safra, que têm de encontrar uma solução, pois os agricultores não tem como pagar os empréstimos de financiamento. E a nível de governo, o que significa? Nossos índices de desenvolvimento social que estão melhorando vão sofrer de novo o baque, pois a seca que assola o Nordeste fez com que viessem – emigrassem para o Maranhão –, cerca de 200 000 pessoas, e nós, que já tínhamos uma população de seis milhões e meio, passamos para seis milhões e setecentos, a 10ª do Brasil, aumentando assim o número de pessoas para dividir uma produção que diminuiu, o que faz cair nossos índices. Ainda desta vez, com as estradas, não foi pequeno o deslocamento de rebanhos que iam morrer e que vieram em busca de nossos pastos, já escassos. Esse é um dos aspectos que tem que ser levado em consideração na necessidade de cada vez mais o Governo Federal ajudar o Maranhão. O Centro-Sul sai sempre lucrando. Em vez de criarem problemas para as grandes cidades de São Paulo e Rio, vêm para cá onde com amor distribuímos nossa pobreza. Eu, filho dessa gente, que o diga. O Maranhão, bom e plural, dessa mistura fez um povo tão acolhedor e generoso.



José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.

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