Mesmo internado e sob restrições médicas, o
ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP) não para de pensar no Amapá. Suas
visitas são limitadas, mas entre os assuntos que lhe são repassados por
assessores estão telefonemas oriundos do Amapá, unidade da federação que o
acolheu depois da Presidência da República, para o qual Sarney diz ter uma
eterna gratidão. O Diário do Amapá
resgata hoje uma de suas mais recentes manifestações a respeito um de seus
maiores projeto para o Estado, a Área de Livre Comércio de Macapá e Santana.
Sarney conta em detalhes como foi a criação da área de incentivos e como vem
trabalhando contra a ameaça de que ela acabe.
O que representa para o Amapá a Área de Livre
Comércio de Macapá e Santana?
José Sarney – O maior benefício que aconteceu nos últimos anos para o Amapá foi a criação da Área de Livre Comércio. A partir da criação da Área de Livre Comércio o Amapá passou a ter um passado e outro presente, que será um grande futuro.
Quando surgiu as ideia de criar a Área de Livre
Comércio?
Sarney – Quando eu cheguei ao Amapá, que fui eleito senador na eleição de 1990 e assumi em 1991 eu pensava: ‘O que eu posso fazer de imediato para o Amapá?’. Não só esperando a apresentação de projetos, de emendas, de recursos, mas como eu também não tinha o governador, o que aconteceu foi que se votava a renovação da Zona Franca de Manaus, então eu disse ‘vou valer-me dessa oportunidade para apresentar a criação de uma Área de Livre Comércio no Amapá’. Ora, Área de Livre Comércio é a coisa mais difícil que tem em qualquer estado porque ela significa uma dimensão diferente para o Estado, que é uma dimensão na qual o estado fica isento dos impostos federais de importação de todas as mercadorias que ali chegam e também fica isento das importações de mercadorias do exterior também que para lá chegam. Então no dia 30 de novembro de 1991, eu não tinha nem um ano de senador, eu já tinha aprovado pela Lei
Qual a importância daquela novidade?
Sarney - A partir dali o Amapá tinha um novo instrumento para modificar a sua história.
Qual era o cenário da chegada da Área de Livre
Comércio ao Amapá?
Sarney – Vamos recordar, no Amapá só tinha uma economia, que era a economia do contracheque chamada. Eram os funcionários públicos que no fim do mês recebiam e que movimentavam o comércio e a vida da cidade. Não tinha outra fonte, não tinha indústria de nenhuma maneira, nada que pudesse criar, também não tinha agricultura, não tinha nenhuma fonte de progresso. Então criei a Área de Livre Comércio.
E como foi o começo de tudo, a aceitação?
Sarney – No princípio ela não foi ajudada, teve certa resistência de natureza política e foi uma luta para nós conseguirmos a implantação para que ela pudesse ser instalada. Primeiro lugar que os comerciantes acreditassem na Área de Livre Comércio. Naquele tempo também para as mercadorias chegarem ao Amapá elas chegavam pelo Porto de Belém, o Amapá não tinha porto. Então vinham de lá nos barcos, nas barcaças, nas balsas, e isso era uma dificuldade imensa e a vida era muito cara no Amapá por causa dessa distância e a dificuldade de transporte.
E depois que ela se implantou como as coisas
mudaram?
Sarney – Depois da implantação da Área de Livre Comércio eu fui trazer o porto que era de Belém para Macapá, isto é, para Santana. Então criei o Porto de Santana e a partir daí consegui fazer o porto de contêineres para que os contêineres que chegassem com as mercadorias para o Amapá tivessem uma área para desembarcar e a partir de então passei a divulgar e tentar atrair empresas que realmente pudessem se aproveitar dessa situação.
Qual o principal papel da Área de Livre Comércio
para a economia do Amapá?
Sarney - A Área de Livre Comércio muita gente pensa que ela se destina somente à área de importação de mercadorias, mas não. A importação de mercadorias representa menos de 10% do que representa a Área de Livre Comércio. O grande beneficiário da Área de Livre Comércio é o povo, pois todo cidadão amapaense é beneficiado pela Área de Livre Comércio. Por quê? Porque a partir de então as mercadorias que chegam ao Amapá, e são quase todas porque o Amapá não produz quase nada, essas mercadorias são isentas dos impostos industrializados, de PIS e COFIS e chegam ao Amapá com uma diferença de 25% do seu valor.
Quanto isso representou no cotidiano das famílias
amapaenses?
Sarney - Isso barateou a vida no Amapá de tal modo que naquela época eu me lembro que se colocava uma lata de leite Ninho que custava no Pará tanto e no Amapá custava 20% a menos, porque a vida começou a baratear. Barateou o feijão, barateou o açúcar, barateou o café, barateou o tecido, barateou tudo, televisão, ventilador, enfim, todas as mercadorias que estavam no Amapá. Isso também melhorou a qualidade de vida porque o povo do Amapá com a área que também importava pode comprar televisão muito mais barata, pode comprar todos esses equipamentos de casa muito mais baratos e que passaram a melhorar a qualidade de vida e barateou a vida de cada um porque esses impostos que são dispensados significam uma injeção de quase R$ 100 milhões por mês que o Governo Federal deixa de arrecadar e ele é destinado às mercadorias que são consumidas no Amapá.
E hoje, como ela está presente na vida das pessoas?
Sarney – Hoje a Área de Livre Comércio é uma coisa que representa a vida do Amapá, porque é a maior geradora de empregos, são mais de 10 mil empregos. O comércio que a gente vê hoje não é aquele comércio da cidade estagnada, da cidade do racionamento [de energia elétrica], que não tinha luz, que não tinha nada daquele tempo. Hoje as ruas estão cheias, com gente comprando, o comércio se movimentando, gerando riqueza, empregando gente. É outro estado. Isso começou graças a Área de Livre Comércio, ela teve essa consistência.
Por que não se conseguiria outra hoje?
Sarney – Ela foi também a última área de livre comércio a ser criada no Brasil por que o país através do Mercosul ele se comprometeu a não criar mais nenhuma área de livre comércio, hoje é proibido. Nós temos um acordo com a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e o Brasil e não podemos mais criar áreas de livre comércio porque significa dispensa de impostos, o que desequilibra o comércio porque as mercadorias ficam mais baratas de um lado do que de outro. Por outro lado a Área de Livre Comércio foi uma fonte de recursos para muitas e muitas outras obras que nós tivemos oportunidade de fazer no Amapá, como o próprio pátio de contêineres no porto de Santana, estradas, praças, drenagens, canais, a frente de Macapá e uma porção de outras obras que continuam a ser tocadas graças aos recursos canalizados pela Área de Livre Comércio.
Por quê está ameaçada de ter seus incentivos
cortados?
Sarney – Acontece que a Área foi criada por 25 anos, ele foi criada em 1991, então esses 25 anos chegaram. Nós não nos aproveitamos no princípio, porque ela custou a pegar, custou a ser ajudada, custou a se compreender o próprio comércio, as classes empresariais a saber o que significava aquilo. Hoje, se acabar a Área de Livre Comércio do Amapá é um desastre extraordinário, desemprego em massa, com o comércio todo falido porque vai desaparecer a grande vantagem competitiva que tem o comércio do Amapá e aquele desenvolvimento que se vê no Amapá.
As chances da Área de Livre Comércio não acabar?
Sarney – Para isso nós já estamos aprovando por iniciativa minha a Emenda Constitucional que já passou na Comissão de Constituição e Justiça e que agora vai para o Plenário prorrogando até o tempo em que existir a Zona Franca, cuja última prorrogação foi até 2033. Também apresentei à presidente Dilma a solução de ela editar uma medida provisória, ou editar um decreto e ela está estudando, mas já me garantiu que não vai deixar que nós tenhamos a desgraça, podemos dizer assim, de acabar com a área de livre comércio.
Perfil
/Entrevistado. José de Ribamar Sarney Costa tem 83 anos de idade, é advogado, jornalista e escritor. Começou a vida política ainda estudante do Colégio Liceu, em São Luís (MA), tendo depois chegado a suplente de deputado federal, até vencer uma eleição para a Câmara Federal e depois elegeu-se governador do Maranhão e depois senador. Nos anos 1980 engajou-se na campanha pelas eleições diretas e pouco depois compôs como vice a chapa vitoriosa do Presidente Tancredo Neves, que faleceu antes da posse. Sarney assumiu as rédeas do País e conduziu o período da redemocratização, da Constituinte e da volta das eleições diretas para Presidente. Depois foi eleito senador pelo Amapá e está no terceiro mandato.
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