quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Almir Pazzianotto: “O velho Senado”


Tomo de empréstimo a Machado de Assis o título do artigo, escrito para render homenagens a dois grandes políticos que, segundo notícias insistentes, se retiram voluntariamente da vida pública: presidente José Sarney e senador Pedro Simon. Com eles convivi na dramática transição do regime militar para a Nova República: Sarney, a quem o destino reservara a quase impossível missão de substituir Tancredo Neves; Pedro Simon, o infatigável lutador gaúcho, o último dos construtores do velho MDB. Um e outro nasceram na República Velha, quando o Brasil era governado por Washington Luís (1926-1930), antes, portanto, da revolução que levou Getúlio Vargas ao poder, para ocupá-lo 15 longos anos. Passaram pelas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 (Emenda nº 1) e presenciaram a elaboração da Constituição de 1988. Sarney, como presidente; Simon, no governo do Rio Grande do Sul.  Em mais de 60 anos de vida pública, trilharam caminhos distintos, conhecendo derrotas e vitórias de impossível relato no curto espaço deste texto. Em 1985, se juntaram para enfrentar aquela que seria a mais desafiadora batalha: redemocratizar o país após 20 anos de ditadura. Nomeado por Tancredo, minutos antes de ser conduzido ao Hospital de Base, Simon, originário do PTB de Vargas, fundador do MDB e do PMDB, despertou, em 15 de março, ministro de Estado do oponente na Câmara dos Deputados e no Senado. José Sarney recebeu batismo político no antigo Partido Social Democrático (PSD), do qual migrou para a União Democrática Nacional (UDN). No regime militar, optou pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), que presidiu e da qual se desligou para fundar o Partido Democrático Social (PDS). A iniciação de Pedro Simon deu-se em 1959, ao se eleger vereador, sob a bandeira do PTB, em Caxias do Sul, cidade natal. Em seguida, foi deputado estadual, federal, senador, ministro de Estado, governador do Rio Grande do Sul. Sarney, cuja vida é tratado de habilidade política, adotou, quando se achava aparentemente vencido, estratégicas mudanças de rumo: 1) em 1985, aderiu ao PMDB, para apoiar, na posição de vice, o candidato à Presidência Tancredo Neves, contra Paulo Maluf; 2) em 2003, se relacionou com Lula, no início do primeiro mandato, esquecendo-se de que fora seu principal problema de 1985 a 1990. É dele o registro feito, com inequívoco tom de mágoa, no livro Vinte anos de cruzado: “Não houve dia em que em que eu não tivesse uma, duas, três ou quatro greves para resolver, pressionando o governo”. Não haveria exagero se as debitasse ao braço radical do PT, a CUT. Nos cálculos dele, foram cerca de 12 mil. Os problemas da Nova República não se restringiam à esfera trabalhista. Com economia em baixa, inflação em alta, moeda desacreditada, desemprego assustador, reduzido apoio político, o governo dispunha de poucos meios. O Plano Cruzado consistiu em remédio heróico para evitar a recessão, retomar a produção e permitir que Sarney ganhasse tempo e legitimidade para resistir até o fim do mandato. Em 3 de outubro de 1990, Sarney elegeu-se senador pelo Amapá, sendo vitorioso na disputa pela Presidência em 1995, reelegendo-se em 1999. A história de Pedro Simon confunde-se com a do MDB, de cuja organização participou em março de 1966, como deputado estadual. O regime extinguira os partidos tradicionais para oferecer à classe política apenas duas alternativas: ficar com ele na Arena ou permanecer ao sol e ao sereno no MDB. Simon, como é do seu feitio, escolheu o caminho mais difícil. Extintos MDB e Arena em novembro de 1979, quando o Congresso Nacional liquidou o bipartidarismo, Simon planejou formar um único partido trabalhista de oposição. O insucesso da ideia, em parte devido à intransigência de Leonel Brizola, contribuiu para a fundação do PMDB. José Sarney e Pedro Simon foram decisivos para a consolidação da Nova República e o restabelecimentodo Estado Democrático de Direito. O ardoroso tribuno Simon se empenhou na aproximação do PMDB com dissidentes do PDS, cujos votos eram indispensáveis à vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral.

Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

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