sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Reforma financeira no Governo Sarney permitiu estabilização nos Anos 90

O risco de ressurreição nos dias de hoje da “jurássica” conta-movimento do Banco do Brasil – extinta por reforma financeira da gestão Sarney na presidência da República em meados dos anos 80 – foi recentemente aventado na imprensa pelo ex-presidente do Banco Central, Gustavo de Loyola, entre outros especialistas. Ele reagiu rapidamente à possibilidade, taxando-a de “grande retrocesso institucional” e que poderia colocar em risco as conquistas econômicas dos últimos anos do país. Entre elas, por exemplo, o sucesso no combate à inflação nos anos 90. Na verdade, à época, dar um fim à “bagunça monetária e fiscal”, – nas palavras de Loyola, ou à “promiscuidade” das finanças públicas, – nas palavras do ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, foram as primeiras medidas adotadas pelo governo Sarney na área. Elas viabilizaram em seguida, não só o êxito do Plano Real, como o processo de abertura da economia brasileira, afirma Nóbrega. A crítica de Gustavo de Loyola refere-se à realização dos volumosos aportes de recursos a bancos oficiais, iniciados ano passado pelo governo Lula, sobretudo para capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As operações foram financiadas por emissões de títulos públicos, o que, segundo Loyola, significa a expansão do endividamento bruto do Tesouro Nacional, com implicações fiscais e monetárias para o setor público. Embora ressalve que tais operações integram o orçamento fiscal da União – o que não ocorria antes - ele acredita que o mecanismo tem “semelhança genética com a conta-movimento”, por suas implicações no mercado monetário. Embora a opinião seja polêmica – a medida foi defendida por muitos como antídoto que se mostrou eficiente no atenuamento da recente crise financeira internacional – há concordância geral, porém, em torno da importância do conjunto de medidas do início da Nova República, buscando a modernização das instituições monetárias e da contabilidade pública. Foi o fim do primitivismo das finanças públicas, modelo provavelmente único no mundo, sublinha Maílson. Hoje, pós-extinção da famigerada conta-movimento e com um novo modelo consolidado, o Banco do Brasil restringe-se a funções típicas de um banco comercial, quando anteriormente confundia-se com uma autoridade monetária e detinha funções de banco do governo. Ou seja, como qualquer outro, agora o BB empresta para a indústria, agricultura ou comércio o recurso advindo da sua captação de depósitos à vista. O Banco Central, por sua vez, passa a ser efetivamente uma espécie de “banco dos bancos” e goza de independência, para exercer com autonomia seu papel de autoridade monetária principal do país. Recebeu tal competência da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), Banco do Brasil e Tesouro Nacional. Cabe a ele a emissão de moeda, o recolhimento de compulsórios dos banco comerciais, a fiscalização das instituições financeiras, entre outras funções típicas de bancos centrais em todo o mundo. Mais, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu à época, dispositivos importantes para garantir a estabilidade monetária no país. Por exemplo, exclusividade ao BC na competência para a emissão de moeda e proibição de concessão direta ou indireta, de empréstimos ao Tesouro Nacional (o caixa do governo). O Tesouro por sua vez – que detinha a função de emitir papel-moeda – passou a gerir as receitas públicas advindas dos impostos e da emissão de títulos (dívida pública federal).

Promiscuidade” entre Tesouro Nacional, BC e BB

O novo arcabouço para a estruturação das finanças públicas do país foi desenhado e implementado pelo governo Sarney, a partir de 1985. É preciso voltar na história econômica recente do país, para entender a importância de tal reforma, pois o quadro era caótico. “O governo Sarney mudou radicalmente esse quadro, apesar das resistências de poderosos grupos corporativos e da imcompreensão de funcionários graduados do Banco do Brasil e do Banco Central”, atesta o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. Na área das finanças públicas, a “promiscuidade” travava-se no relacionamento entre o Tesouro Nacional (o caixa do governo), o Banco Central e o Banco do Brasil. Os três se entrelaçavam no orçamento monetário, de onde saíam os recursos para as operações de empréstimo do Banco do Brasil e para as atividades de fomento do Banco Central, a maioria delas operadas com subsídios. “O grau de transparência era escasso. A execução do orçamento da União era realizada por um departamento do Banco do Brasil, provavelmente caso único no mundo. O Tesouro possuía uma administração artesanal e incapaz de fornecer, ao governo e à sociedade, informações amplas sobre a conta do governo federal”, aponta Maílson da Nóbrega. O ex-ministro da Fazenda explica que a confusão derivada daquele arranjo institucional permitia que o BB e o BC operassem sem limites de desembolsos, “no mínimo uma aberração”. O BB se tornara o único banco comercial do mundo que não dependia de captação de recursos no mercado financeiro. Como não havia milagre, os recursos para viabilizar tal esquema se originavam no endividamento público (emissão de títulos). Para Maílson, “um mecanismo infernal”: “O Banco Central mantinha uma conta de movimento no Banco do Brasil, que constituía o canal de suprimento de recursos do Tesouro ao nosso maior estabelecimento de crédito”. Entenda o processoDe foram simplificada, tudo se passava da seguinte forma: o BB podia fazer empréstimos, sem dispor dos recursos que iria emprestar, o que jamais acontecera na história do sistema financeiro. Se o banco captasse 100 em depósitos à vista dos seus clientes em um dia, e atendesse a agricultores com empréstimos de 200 no mesmo dia, ficaria com um déficit de 100. Só que no modelo em funcionamento, simultânea e automaticamente, tal diferença era suprida no BB pela conta-movimento. E de onde viria aquele dinheiro que supria a conta-movimento? Do lançamento de títulos públicos no mercado financeiro. Esquema muito semelhante funcionava no caso de operações de fomento do Banco Central, segundo Maílson: “Em ambos, o valor do subsídio se perdia no opaco emaranhado de relações entre as três organizações”. O subsídio ocorria porque o empréstimo às empresas-cliente era feito com uma taxa de juros, no frigir dos ovos, menor do que a taxa de captação daquele recurso. Ou seja, a taxa paga pelo governo ao investidor que comprava os títulos públicos lançados no mercado (papéis que geravam os recursos para uso do BB e do BC). Traduzindo: o governo pagava 10 pelo dinheiro que ia para os bancos para ser emprestado a 5.
Era assim que o Banco do Brasil e o Banco Central se haviam transformado em poderosos canais de gastos públicos. O “disfarce” eram os empréstimos para os setores público e privado, realizados via orçamento monetário e, portanto, sem autorização legislativa. “O Brasil havia regredido aos tempos da Carta Magna inglesa de 1215”, qualifica o ex-ministro Maílson da Nóbrega. A outra distorção estava no endividamento público. No Brasil, ele crescia por autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN), presidido pelo ministro da Fazenda. Praticamente em todo o mundo, o aumento da dívida pública se destina a financiar o déficit do orçamento, com despesas e receitas do governo aprovadas pelo Parlamento. No Brasil, destinava-se a financiar as atividades do BB e do BC.



Fontes.“A Herança Econômica” de Maílson da Nóbrega, capítulo 4 do livro “Sarney- o outro lado da história”, organizado por Oliveira Bastos. Maílson é economista, consultor de empresas e foi o último ministro da Fazenda do governo Sarney..“Conta movimento, versão 2010” – artigo de Gustavo Loyola, publicado em O Estado de S. Paulo, em 15/02/10. Loyola, sócio-diretor da Tendências Consultoria, foi presidente do BC.

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