O novo arcabouço para a estruturação das finanças públicas do país foi desenhado e implementado pelo governo Sarney, a partir de 1985. É preciso voltar na história econômica recente do país, para entender a importância de tal reforma, pois o quadro era caótico. “O governo Sarney mudou radicalmente esse quadro, apesar das resistências de poderosos grupos corporativos e da imcompreensão de funcionários graduados do Banco do Brasil e do Banco Central”, atesta o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. Na área das finanças públicas, a “promiscuidade” travava-se no relacionamento entre o Tesouro Nacional (o caixa do governo), o Banco Central e o Banco do Brasil. Os três se entrelaçavam no orçamento monetário, de onde saíam os recursos para as operações de empréstimo do Banco do Brasil e para as atividades de fomento do Banco Central, a maioria delas operadas com subsídios. “O grau de transparência era escasso. A execução do orçamento da União era realizada por um departamento do Banco do Brasil, provavelmente caso único no mundo. O Tesouro possuía uma administração artesanal e incapaz de fornecer, ao governo e à sociedade, informações amplas sobre a conta do governo federal”, aponta Maílson da Nóbrega. O ex-ministro da Fazenda explica que a confusão derivada daquele arranjo institucional permitia que o BB e o BC operassem sem limites de desembolsos, “no mínimo uma aberração”. O BB se tornara o único banco comercial do mundo que não dependia de captação de recursos no mercado financeiro. Como não havia milagre, os recursos para viabilizar tal esquema se originavam no endividamento público (emissão de títulos). Para Maílson, “um mecanismo infernal”: “O Banco Central mantinha uma conta de movimento no Banco do Brasil, que constituía o canal de suprimento de recursos do Tesouro ao nosso maior estabelecimento de crédito”. Entenda o processoDe foram simplificada, tudo se passava da seguinte forma: o BB podia fazer empréstimos, sem dispor dos recursos que iria emprestar, o que jamais acontecera na história do sistema financeiro. Se o banco captasse 100 em depósitos à vista dos seus clientes em um dia, e atendesse a agricultores com empréstimos de 200 no mesmo dia, ficaria com um déficit de 100. Só que no modelo em funcionamento, simultânea e automaticamente, tal diferença era suprida no BB pela conta-movimento. E de onde viria aquele dinheiro que supria a conta-movimento? Do lançamento de títulos públicos no mercado financeiro. Esquema muito semelhante funcionava no caso de operações de fomento do Banco Central, segundo Maílson: “Em ambos, o valor do subsídio se perdia no opaco emaranhado de relações entre as três organizações”. O subsídio ocorria porque o empréstimo às empresas-cliente era feito com uma taxa de juros, no frigir dos ovos, menor do que a taxa de captação daquele recurso. Ou seja, a taxa paga pelo governo ao investidor que comprava os títulos públicos lançados no mercado (papéis que geravam os recursos para uso do BB e do BC). Traduzindo: o governo pagava 10 pelo dinheiro que ia para os bancos para ser emprestado a 5.
Era assim que o Banco do Brasil e o Banco Central se haviam transformado em poderosos canais de gastos públicos. O “disfarce” eram os empréstimos para os setores público e privado, realizados via orçamento monetário e, portanto, sem autorização legislativa. “O Brasil havia regredido aos tempos da Carta Magna inglesa de 1215”, qualifica o ex-ministro Maílson da Nóbrega. A outra distorção estava no endividamento público. No Brasil, ele crescia por autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN), presidido pelo ministro da Fazenda. Praticamente em todo o mundo, o aumento da dívida pública se destina a financiar o déficit do orçamento, com despesas e receitas do governo aprovadas pelo Parlamento. No Brasil, destinava-se a financiar as atividades do BB e do BC.
Fontes.“A Herança Econômica” de Maílson da Nóbrega, capítulo 4 do livro “Sarney- o outro lado da história”, organizado por Oliveira Bastos. Maílson é economista, consultor de empresas e foi o último ministro da Fazenda do governo Sarney..“Conta movimento, versão 2010” – artigo de Gustavo Loyola, publicado em O Estado de S. Paulo, em 15/02/10. Loyola, sócio-diretor da Tendências Consultoria, foi presidente do BC.
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