quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Sarney: homicida tem que responder processo na cadeia

Em pronunciamento nesta quinta-feira (20), o senador José Sarney (PMDB-AP) falou da importância da Comissão de Juristas para elaborar um anteprojeto de novo Código Penal, instituída na terça-feira (18) e que contará com a Presidência do Ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, e com nomes consagrados da magistratura, da advocacia e do Ministério Público. Segundo o presidente Sarney, a comissão “deve funcionar no molde das bem sucedidas comissões que prepararam os anteprojetos dos novos Códigos do Processo Penal e do Processo Civil, e das que estão preparando novo Código Eleitoral e novo Estatuto do Consumidor”.


Necessidade de atualização

Ao fazer uma análise histórica sobre a origem e evolução do Código Penal e da necessidade de sua atualização, Sarney lembrou que houve várias e fracassadas tentativas de reformá-lo: “O atual Código Penal sofre tanto da passagem do tempo, com as mudanças naturais das estruturas sociais e das tecnologias, com as alterações pontuais que sofreu, como com a mudança mais profunda de regime constitucional. Quando foi feito vigia o regime do Estado Novo; atravessou o regime liberal de 1946 e as constituições impostas pelo regime militar; e há 23 anos conflita com as mudanças da carta constitucional de 1988. Ocorreram mudanças fundamentais nos direitos individuais, sociais e difusos. A sociedade de informação chegou com as novas tecnologias, que permitem crimes inimagináveis em 1940, com o mundo da internet”.


Novo modelo de penas

O presidente do Senado pregou a necessidade de se eliminar as leis especiais, sempre que possível, e de se construir um novo modelo de penas: “o atual peca pela extrema fragmentação e pela desproporcionalidade das cominações penais, tendo em vista o acúmulo de tantas reformas parciais e a criação de inúmeros institutos despenalizadores. Em suma, perdemos referência sobre a gravidade de muitas condutas criminosas. É necessário prever novas estratégias punitivas que assegurem os fins gerais de repressão e prevenção ao crime”. Citando dados de recente relatório da ONU sobre a violência, Sarney disse esperar que o novo Código Penal seja também um elemento decisivo para conter a onda de crimes que ameaça o país, especialmente dos crimes contra a pessoa: “Os níveis de violência no Brasil são alarmantes. Com 3% da população, somos responsáveis por 12% dos homicídios no mundo. O Mapa da Violência 2011, organizado sob o patrocínio do Ministério da Justiça, mas que utiliza os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, revela que em 2008 foram assassinadas no Brasil 50.113 pessoas, numa média de 26,4 assassinatos por 100 mil habitantes. A taxa entre jovens de 15 a 24 anos é de 85,2 assassinatos por 100 mil habitantes”.



Sucesso das Unidades de Polícia Pacificadora

Lembrando que as causas da violência têm sido estudadas e que estão relacionadas ao crime organizado e à marginalização de grande parte da sociedade dos benefícios sociais, como saúde, educação, transporte, emprego, o senador saudou “o bom resultado, estimulante mesmo, das UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, nas favelas do Rio de Janeiro. Mas não há como negar a participação da impunidade do criminoso, que vai desde a investigação do crime, até à aplicação das penas. É uma sequência de eventos em que a precariedade do nosso sistema penal se mostra em toda a evidência”. 


Tratamento desumano do sistema prisional

O ex-presidente mostrou-se preocupado, também, com o tratamento desumano e pouco eficaz na recuperação do apenado no sistema penal: “trata o preso de forma desumana, e as chances de recuperação dos criminosos são, em consequência, muito pequenas. Multiplicam-se, com razão, os que se preocupam com o direito dos presos e sua qualidade de vida”. E especificou sua maior preocupação: “o estímulo que é dado pelo nosso sistema penal aos homicidas, desde a leniência das penas à imensa quantidade de criminosos que estão soltos, seja pela falta de investigação policial, seja pelo mecanismo da prisão aberta, seja pela soltura com o cumprimento de uma fração da pena, seja, no caso que considero mais grave, por estarem respondendo em liberdade criminosos confessos, com forte presunção de culpa, pronunciados ou até mesmo condenados em primeira instância”.


As distorções do regime militar


Sarney lembrou no discurso do "Mutirão contra a violência", implantado quando era Presidente da República: “a União se envolveu mais diretamente no combate ao crime, lutei contra a famigerada Lei Fleury, que vinha assegurando àquele que cometia o pior de todos os crimes que é matar, continuar solto, fugir ao julgamento da Justiça, ficar impune. O Delegado Fleury era o chefe da repressão e, em determinado momento, ele fez tantos crimes que se levantaram contra ele, em São Paulo, a opinião pública, a magistratura, o Ministério Público e a própria polícia, e ele foi denunciado por crime de homicídio. Foi feita então uma lei especialmente para o delegado Fleury poder defender-se solto”.


A prisão sem decisão judicial

Para esclarecer o vácuo que se criou com a Constituição de 88 em relação à prisão sem decisão judicial, lembra que propôs e sancionou a lei 7.960/89, que estabeleceu as condições para prisão temporária: “entretanto a tendência foi proibir a execução provisória da sentença penal. Tanto é que a Lei nº 11.719, de 2008, veio revogar definitivamente o art. 594 do CPP. A liberdade passaria a ser a regra no caso de condenações provisórias, inclusive quando confirmadas pelo tribunal de segunda instância. Isso ficou ainda mais evidente com a Lei nº 12.403, de 2011, que revogou o art. 393 do CPP, o qual determinava que o réu, após a condenação, fosse preso ou conservado na prisão, nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis, enquanto não prestasse fiança”.


Empecilhos legais à prisão provisória

Lamentando as implicações no meio social, geradas por tantos empecilhos legais à prisão provisória, Sarney disse que a lei opera em favor da liberdade do criminoso preso em flagrante ou condenado em primeira instância: “como as decisões judiciais atingem o imaginário coletivo?”, indagou. O senador Sarney acha que, “enquanto não estiver transitada em julgado a decisão condenatória, não é possível o início do cumprimento da pena (art. 5º, LVII, da Constituição Federal). Como resultado, o réu e seus advogados sentem-se motivados a recorrer a todas as instâncias judiciais para retardar os efeitos da sentença, de modo que a procrastinação tornou-se regra básica no sistema recursal brasileiro”. Sarney estranha que em nenhum lugar do mundo a sentença penal, para ser efetiva, deva passar por quatro instâncias judiciais: “Trata-se de uma aberração do ordenamento jurídico brasileiro. Para completar esse quadro de alergia crônica à prisão provisória, a jurisprudência tem sido extremamente restritiva na compreensão dos requisitos que autorizam a prisão preventiva”.


Novo plebiscito sobre a proibição da venda de armas 

O presidente do Congresso falou, também, da presença da arma de fogo como principal instrumento dos homicídios: “Quando do plebiscito sobre a proibição da venda de armas de fogo eu a defendi, e em abril deste ano propus a realização de novo plebiscito sobre o assunto, por acreditar que é um tema em que a sociedade está mais consciente da enorme ameaça que é a proliferação dessas armas. É preciso cessar esta fonte terrível de mortes”. 


As responsabilidades dos três poderes


Para concluir, pregando um verdadeiro mutirão nacional para se levar a tranquilidade à família brasileira, Sarney disse que “a impunidade do criminoso, que é o maior estímulo ao homicídio, só pode ser amenizada com uma ação conjunta dos três Poderes”. Sarney lembrou que o legislativo está fazendo sua parte, com a revisão do Código do Processo Penal, que o Senado aprovou e está tramitando na Câmara dos Deputados, com a instalação que estamos fazendo de Comissão de Juristas para Elaborar Anteprojeto de Reforma do Código Penal, no âmbito do Pacto Republicano: “É preciso que o judiciário faça sua parte, julgando com mais celeridade e sendo mais severo na aplicação das penas para punir o mais grave dos crimes, que é, repito, o homicídio. E o executivo, em seus vários níveis, além das medidas sociais importantes que levam a presença do Estado às ilhas de marginalização social, precisa, atuando em conjunto com os ministérios públicos, corrigir esta profunda distorção”.  


Apoio dos colegas


O discurso do presidente foi acolhido por boa parte dos senadores presentes em Plenário. Os senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Reditário Cassol (PP-RO) elogiaram a atitude de Sarney e sua preocupação em modernizar as leis nacionais.
Advogado criminalista, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) concordou com Sarney que o principal problema do país atualmente é a impunidade. Já a senadora Ana Amélia também recorreu ao caso do jornalista Pimenta Neves como exemplo da impunidade que, segundo ela, faz com que a sociedade perca a confiança na Justiça.
Para o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), José Sarney abordou o tema da impunidade com pertinência e deve fazer com que o assunto chegue ao Plenário do Congresso, opinião também compartilhada pelo senador Wilson Santiago (PMDB-PB). O fim da impunidade também foi defendido pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e pelo senador Sérgio Souza (PMDB-PR), que elogiaram a iniciativa de Sarney.
O senador Edison Lobão Filho (PMDB-MA) avisou que pretende apresentar na próxima semana projeto de lei para tornar desvio de recursos públicos um crime hediondo, a exemplo de outros que já tramitam na Casa. José Sarney concluiu o discurso afirmando estar "gratificado por ter sensibilizado a Casa para este problema".



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