terça-feira, 5 de março de 2013

Tendências/Debates: Dilma vai acabar com o SUS?



É inaceitável a intenção do governo de abdicar da consolidação da rede pública e apostar no avanço de planos de saúde ineficientes


O desmonte final do Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo negociado a portas fechadas, em encontros da presidente Dilma Rousseff com donos de planos de saúde, entre eles financiadores da campanha presidencial de 2010 e sócios do capital estrangeiro, que acaba de atracar faminto nesse mercado nacional. Na pauta, a chave da porta de um negócio bilionário, que são os planos de saúde baratos no preço e medíocres na cobertura, sob encomenda para estratos de trabalhadores em ascensão. Adiantado pela Folha ("Cotidiano", 27/2), o pacote de medidas que prevê redução de impostos e subsídios para expandir a assistência médica suplementar é um golpe contra o SUS ainda mais ardiloso que a decisão do governo de negar o comprometimento de pelo menos 10% do Orçamento da União para a saúde. A proposta é uma extorsão. Cidadãos e empregadores, além de contribuir com impostos, serão convocados a pagar novamente por um serviço ruim, que julgam melhor que o oferecido pela rede pública, a que todos têm direito. Em nome da limitada capacidade do SUS, o que se propõe é transferir recursos públicos para fundos de investimentos privados. O SUS é uma reforma incompleta, pois o gasto público com saúde é insuficiente para um sistema de cobertura universal e atendimento integral. Isso resulta em carência de profissionais, baixa resolutividade da rede básica de serviços e péssimo atendimento à população. Nos delírios de marqueteiros e empresários alçados pelo governo à condição de formuladores de políticas, o plano de saúde surgiria como "miragem" para a nova classe média, renderia a "marca" da gestão e muitos votos em 2014. Pois o mercado que se quer expandir com empurrão do erário não é exatamente um oásis no meio do SUS. Autorizados pela agência reguladora, proliferam planos de saúde pobres para pobres, substitutivos "meia-boca" do que deveria ser coberto pelo regime universal. Na vida real, são prazos de atendimento não cumpridos, poucos especialistas por causa de honorários ridículos, número insuficiente de serviços diagnósticos e de leitos, inclusive de UTI, negativas de tratamentos de câncer, de doenças cardíacas e transtornos mentais, redes reduzidas que impedem o direito de escolha e geram longas filas e imposição de barreiras de acesso, como triagens e autorizações prévias. Quem tem plano de saúde conhece bem esse calvário. Limitados pelos contratos, dirigidos a jovens sadios e formalmente empregados, os planos de saúde não aliviam nem desoneram o SUS, pois fogem da atenção mais cara e qualificada. Não são adequados para assistir idosos e doentes crônicos, cada vez mais numerosos. Assim, os serviços públicos funcionam como retaguarda, uma espécie de resseguro da assistência suplementar excludente. Nos Estados Unidos, a reforma de Obama enquadra os planos privados e tenta colocar nos trilhos o sistema mais caro e desigual do mundo. País de recursos escassos, se delegar o futuro a quem visa o lucro com a doença, o Brasil seguirá é o caminho da Colômbia, que vive um colapso na saúde. É inaceitável, em uma sociedade democrática, a intenção do governo de abdicar da consolidação do SUS, de insistir no subfinanciamento público e apostar no avanço de um modelo privado, estratificado, caro e ineficiente. O Movimento Sanitário, o Conselho Nacional de Saúde, o Congresso Nacional, o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal precisam se manifestar sobre esse despropósito inconstitucional.

Ligia Bahia, 57, é professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Luis Eugenio Portela, 49, é professor da Universidade Federal da Bahia e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)

Mário Scheffer, 46, é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal Folha de S. Paulo. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br



Você Sabia?


Que foi José Sarney quem criou a Assistência Médica Universal?

A universalização do direito à saúde é uma das conquistas do governo Sarney. Até então, apenas os trabalhadores que contribuíam para a Previdência Social tinham direito a atendimento na rede de saúde. Quem não contribuía com a previdência era atendido em hospitais filantrópicos. Ao longo da década de 80, a previdência passou por sucessivas mudanças com universalização progressiva do atendimento. Um grande marco para a universalização da saúde aconteceu em março de 1986, com a abertura, pelo presidente Sarney, da 8ª Conferência Nacional de Saúde. A conferência resultou na implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). A preocupação do governo em universalizar a saúde era proteger a todos e não apenas os trabalhadores que possuíam uma boa base organizacional e grande capacidade de mobilização. Além da criação do SUS, em 1989, o presidente José Sarney por meio da CEME, Central de Medicamentos, lançou o programa Farmácia Básica em todo o Brasil. Este programa tinha como objetivo a distribuição de medicamentos de uso ambulatorial para pacientes carentes. A CEME, criada em 1978, foi transferida para o Ministério da Saúde em 1985. Durante o governo Sarney, foram construídas e equipadas 22 centrais de medicamentos, além de uma grande Central de Distribuição em Brasília. A farmácia Básica chegou a 50 milhões de pessoas e virou referência para vários governos subsequentes.

Tudo pelo Social

José Sarney fez de seu governo uma busca pela melhoria das condições sociais da população. Naquela época, só os trabalhadores com carteira assinada tinham direito a atendimento nos hospitais públicos, Sarney decidiu mudar essa regra e propôs a universalização dos serviços de saúde. Para proteger os trabalhadores, foi criado o seguro desemprego. Outra garantia assegurada em lei, foi a impenhorabilidade da casa própria. O slogan Tudo pelo Social foi o espírito das ações de governo. Em relação a economia, Sarney lembra que buscou soluções não ortodoxas.
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