É inaceitável a intenção do governo de
abdicar da consolidação da rede pública e apostar no avanço de planos de saúde
ineficientes
O desmonte final do Sistema Único de Saúde (SUS)
vem sendo negociado a portas fechadas, em encontros da presidente Dilma
Rousseff com donos de planos de saúde, entre eles financiadores da campanha
presidencial de 2010 e sócios do capital estrangeiro, que acaba de atracar
faminto nesse mercado nacional. Na pauta, a chave da porta de um negócio
bilionário, que são os planos de saúde baratos no preço e medíocres na
cobertura, sob encomenda para estratos de trabalhadores em ascensão. Adiantado
pela Folha ("Cotidiano",
27/2), o pacote de medidas que prevê redução de impostos e subsídios para
expandir a assistência médica suplementar é um golpe contra o SUS ainda mais
ardiloso que a decisão do governo de negar o comprometimento de pelo menos 10%
do Orçamento da União para a saúde. A proposta é uma extorsão. Cidadãos e
empregadores, além de contribuir com impostos, serão convocados a pagar
novamente por um serviço ruim, que julgam melhor que o oferecido pela rede
pública, a que todos têm direito. Em nome da limitada capacidade do SUS, o que
se propõe é transferir recursos públicos para fundos de investimentos privados.
O SUS é uma reforma incompleta, pois o gasto público com saúde é insuficiente
para um sistema de cobertura universal e atendimento integral. Isso resulta em
carência de profissionais, baixa resolutividade da rede básica de serviços e
péssimo atendimento à população. Nos delírios de marqueteiros e empresários
alçados pelo governo à condição de formuladores de políticas, o plano de saúde
surgiria como "miragem" para a nova classe média, renderia a
"marca" da gestão e muitos votos em 2014. Pois o mercado que se quer
expandir com empurrão do erário não é exatamente um oásis no meio do SUS.
Autorizados pela agência reguladora, proliferam planos de saúde pobres para
pobres, substitutivos "meia-boca" do que deveria ser coberto pelo
regime universal. Na vida real, são prazos de atendimento não cumpridos, poucos
especialistas por causa de honorários ridículos, número insuficiente de
serviços diagnósticos e de leitos, inclusive de UTI, negativas de tratamentos
de câncer, de doenças cardíacas e transtornos mentais, redes reduzidas que
impedem o direito de escolha e geram longas filas e imposição de barreiras de
acesso, como triagens e autorizações prévias. Quem tem plano de saúde conhece bem esse calvário. Limitados
pelos contratos, dirigidos a jovens sadios e formalmente empregados, os planos
de saúde não aliviam nem desoneram o SUS, pois fogem da atenção mais cara e
qualificada. Não são adequados para assistir idosos e doentes crônicos, cada
vez mais numerosos. Assim, os serviços públicos funcionam como retaguarda, uma
espécie de resseguro da assistência suplementar excludente. Nos Estados Unidos,
a reforma de Obama enquadra os planos privados e tenta colocar nos trilhos o
sistema mais caro e desigual do mundo. País de recursos escassos, se delegar o
futuro a quem visa o lucro com a doença, o Brasil seguirá é o caminho da
Colômbia, que vive um colapso na saúde. É inaceitável, em uma sociedade
democrática, a intenção do governo de abdicar da consolidação do SUS, de
insistir no subfinanciamento público e apostar no avanço de um modelo privado,
estratificado, caro e ineficiente. O Movimento Sanitário, o Conselho Nacional
de Saúde, o Congresso Nacional, o Ministério Público e o Supremo Tribunal
Federal precisam se manifestar sobre esse despropósito inconstitucional.
Ligia Bahia, 57, é professora do Instituto de Saúde Coletiva
da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Luis Eugenio Portela, 49, é professor da
Universidade Federal da Bahia e presidente da Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (Abrasco)
Mário Scheffer, 46, é professor do Departamento de
Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)
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opinião do jornal Folha de S. Paulo. Sua publicação obedece ao propósito de
estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as
diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Você Sabia?
Você Sabia?
Que foi José Sarney quem criou a Assistência Médica Universal?
Tudo pelo Social
José Sarney fez de seu governo uma busca pela melhoria das condições sociais da população. Naquela época, só os trabalhadores com carteira assinada tinham direito a atendimento nos hospitais públicos, Sarney decidiu mudar essa regra e propôs a universalização dos serviços de saúde. Para proteger os trabalhadores, foi criado o seguro desemprego. Outra garantia assegurada em lei, foi a impenhorabilidade da casa própria. O slogan Tudo pelo Social foi o espírito das ações de governo. Em relação a economia, Sarney lembra que buscou soluções não ortodoxas.
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