sábado, 19 de junho de 2010

José Sarney

Penta e nenhum Nobel

Há anos prego estar a identidade brasileira na cultura popular e nesta, a cultura do futebol, uma das mais fortes ao lado do carnaval, do sincretismo religioso, da dança, da música e de tantas e tão diversas manifestações cujo sucesso é o gosto do povo. Na formação social do país, uma das páginas mais vazias, quase em branco, é sobre os jogos. Na monumental obra de Gilberto Freire, Casa Grande e Senzala, quase nada aparece sobre a existência de jogos coletivos. Nem em Sérgio Buarque de Holanda, nem em outros antropólogos e sociólogos. Os colonizadores traziam de suas metrópoles os jogos de casa, das cartas, dos dados, das peças de xadrez. Graças a Deus não nos trouxeram os violentos jogos de gladiadores, que nem chegaram à Península Ibérica, nem as violentas touradas da Espanha, que não pegaram em Portugal, onde se embolava o chifre dos touros e não os matavam. O futebol, assim, não está nas nossas origens latinas. Ele pertence aos hábitos anglo-saxônicos, como outros jogos de bolas de todos os tipos. Diz-se que chegou ao Brasil, em 1894, com Charles Miller, que o trouxe da Inglaterra. Era divertimento de aristocratas e ricos, praticado em clubes fundados por estrangeiros, coisa de gente fina, e até criaram a história de um mulato, no campeonato de 1914, cobrir-se de pó de arroz para parecer branco, tão forte era o elitismo do futebol. A grande lacuna que não se explica é como passou de um jogo de ricos e brancos para ser a paixão de pobres, negros, mulatos, cafuzos, brancos e abastados. Todos. Roberto Da Matta, um dos poucos estudiosos da sociologia do futebol, atribui à sua simplicidade de regra, fácil de aprender e de ensinar. Eu acrescentaria a oferta de espaços — que num país vasto como o nosso estão disponíveis em todo lugar —, o clima quente e a facilidade de relacionamento. Depois o custo, quase nada, apenas uma bola, que no princípio era de meia ou de pano. O certo é que foi invadindo todo o país e revelou-se como um esporte de aptidão para o brasileiro miscigenado, cuja vocação para a convivência fora formada em Portugal, quando visigodos, romanos, celtas, judeus, assimilaram os mouros e aqui os fortes sangues negro e índio, formando essa nossa raça que apaixonou-se pela bola. O país do futebol. Nada mais democrático do que estádio de futebol. Não há diferença de raça nem de religião, nem de pobre e rico. Todos são torcedores, como agora nas ruas, casas, praças e botequins. Somos pentacampeões mas não temos um prêmio Nobel de literatura. A África do Sul tem dois: Nadine Gordimer e o angustiado Coetzee. Vamos ver a jabulani rolar.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa

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