terça-feira, 3 de agosto de 2010

Governo Sarney reformulou agenda diplomática do Brasil


O que seria a plena realização para um futuro mandatário do país, o dia 15 de março de 1985 representou uma árdua experiência para José Sarney: assumir temporariamente o poder, enquanto aguardava a recuperação do aliado, amigo e presidente eleito Tancredo Neves. A expectativa era a de que Tancredo logo se recuperasse da enfermidade que o acometeu e o tempo da Nova República – expressão que ele próprio cunhara -, viria a se impor. Numa visão mais abrangente, o novo da Nova República impunha uma reviravolta política frente aos últimos 21 anos de regime autoritário imposto ao país desde 1964. Esta remodelagem liderada por Tancredo, aguardava Tancredo. Sarney, então vice do político mineiro, e vale registrar, garantidor da transição almejada, assume. Trinta e seis dias depois, Tancredo se vai e Sarney, a contragosto, fica no posto máximo da nação. Cinco anos depois, ao final de seu mandato, o político de Pinheiro, no Maranhão, havia concluído a delicada tarefa de consolidar a transição democrática, meta alcançada com amplo reconhecimento. Para o diplomata Octávio Côrtes, estudioso da política externa adotada no período, Sarney “foi além, incorporando a então democracia consolidada ao conjunto de valores da política externa brasileira, o que permitiu o início da reformulação da inserção internacional do Brasil”. O governo da Nova República, continua o diplomata, “ pautou-se com uma forma inovadora de condução da política externa do país, utilizando plenamente os quadros profissionais do Itamaraty, e colocando sua função de primeiro mandatário inteiramente a serviço dos interesses da nação”. A estratégia adotada viabilizou resultados práticos, e pouco difundidos, que repercutem no Brasil de hoje. Baseada no tripé credenciais democráticas, apoio ao desenvolvimento com respeito ao meio ambiente e defesa intransigente dos direitos humanos, o novo governo propôs transformar as oportunidades internas em possibilidades externas. Sarney, naqueles primeiros momentos, sabia que o tempo que dispunha para legitimar o seu governo era curto, conforme narrou: “No meu caso, eu não tinha partido político, eu não tinha ministério, eu não tinha sustentação popular, então o meu caminho era esse – e eu sabia disso, eu conhecia a história do Brasil – e eu tinha que traçar uma estratégia para me legitimar. Essa legitimação passava por fazer imediatamente a maior de todas as aberturas democráticas. Tancredo podia retardar as providências que ele havia prometido: convocar a Constituinte, legalizar partidos clandestinos, ele podia adiar tudo. Eu não podia fazer nada disso.”




Direitos humanos

Obediente ao que a história lhe reservara, Sarney implementou, ainda no primeiro ano de seu governo, um decisivo realinhamento da política externa brasileira. De imediato, o país adere aos acordos internacionais sobre direitos humanos, em especial ao Pacto de São José, ao assinar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Também oficializa sua adesão à Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Em sua primeira participação em assembléia da ONU, em 1985, o presidente anuncia: “Com orgulho e confiança, trago a esta Assembléia a decisão de aderir aos Pactos Internacionais das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos, à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Com essas decisões, o povo brasileiro dá um passo na afirmação democrática de seu Estado e reitera, perante si mesmo e perante toda a comunidade internacional, o compromisso solene com os princípios da Carta da ONU e com a promoção da dignidade humana.” Estudioso das linhas adotadas pela política externa do governo Sarney, o embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa testemunha: “A área dos direitos humanos, na realidade, foi talvez a que primeiro assinalou um curso novo para a diplomacia brasileira.”


Meio Ambiente

Com igual desenvoltura, a Nova República incorpora à agenda diplomática o tema meio ambiente. O Brasil passa a atuar de forma engajada nos debates e projetos para a preservação ambiental, criando as estruturas governamentais necessárias. O governo lança o Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas da Amazônia Legal, o chamado “Programa Nossa Natureza”, com a finalidade de estabelecer condições para a utilização e a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis na Amazônia Legal. Em seguida, define como gestor da questão ambiental em todo o país o recém-criado Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Em outra frente institui o Programa Calha Norte, deslocando a estratégia de defesa do país do Cone-Sul para a Amazônia. No bojo do programa, a prioridade para o desenvolvimento sustentável, ressaltada pelo então ministro-chefe de Gabinete da Presidência, Rubens Bayma Denys: “Sua relevância política e estratégica afirmou-se durante a sua implementação ao longo de todo o governo Sarney e vem sendo reconhecida nesses últimos anos em que se desenvolve no seio da sociedade nacional uma tomada de consciência com relação ao nosso patrimônio amazônico, sua importância paro o país e a necessidade de defendê-lo e preservá-lo”. Em discurso de abertura da 44º reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Sarney declarou: “Se o mundo hoje pode voltar suas vistas para a Amazônia é porque os brasileiros souberam conservá-la até agora e o farão para o futuro. Estamos dispostos, como sempre estivemos, à cooperação. Contudo, nunca a imposições que atinjam nossa soberania”. E sintetizou as ações implementadas pelo governo da Nova República: “Com o “Programa Nossa Natureza”, já diminuímos em um só ano as queimadas em cerca de 40%, proibimos a exportação de madeiras em tora, retiramos incentivos a projetos que se revelaram predatórios e criamos o Instituto do Meio Ambiente reunindo dezenas de órgãos em amplo projeto de proteção ecológica. Aproximadamente 8 milhões de hectares de território brasileiro estão hoje sob regime de preservação permanente. Cerca de 10% do território nacional estão destinados às populações indígenas, que reúnem 200 mil índios.” Tal realinhamento do país em direção à nova agenda internacional viabilizou, nessa mesma reunião, a aprovação, pelo plenário da Assembléia – após intenso trabalho de Sarney-, do Rio de Janeiro como sede da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que ficaria conhecida como RIO-92. Naquela oportunidade a cidade recebeu 170 delegações estrangeiras. A mudança da posição do governo da Nova República em relação ao período militar contribuiu para o debate das verdadeiras fontes do problema da poluição e dos caminhos para sua mitigação e levou o Brasil a se tornar importante protagonista na discussão sobre os critérios de distribuição dos custos econômicos da defesa ambiental, focando as injustiças históricas para com os países em desenvolvimento. O diplomata Otávio Cortes considera que “não somente soube o governo incluir a preocupação ambiental no rol das políticas públicas do país, como foi capaz de, através do Ministério das Relações Exteriores, inverter a posição do país no debate internacional e passar a dele participar com conduta ativa e construtiva”.



Credenciais democráticas

Dentre o conjunto de valores que alicerçaram a política externa brasileira na Nova República ganha relevo o esforço realizado para consolidar o regime democrático no país. Logo no início de seu governo, Sarney restabelece as eleições diretas para presidente, prefeitos de capitais e de municípios considerados áreas de segurança nacional, das estâncias hidrominerais e do Distrito Federal e concede o direito de voto aos analfabetos. Promove a liberdade de criação de partidos políticos, legalizando assim aqueles que viviam na clandestinidade. Extingue a censura prévia adotada pelo regime militar e reconhece as centrais sindicais. E convoca a Assembléia Nacional Constituinte. Esta nova realidade democrática interna permite a reformulação das ações internacionais empreendidas pelo país, reincorporando a democracia como um dos pilares da política externa brasileira. Seis meses depois de assumir a presidência, Sarney, em discurso na sede da ONU em Nova York, faz uso das credenciais democráticas asseguradas neste curto espaço de tempo ao balizar as novas diretrizes da inserção internacional do país: “Estou aqui para dizer que o Brasil não deseja mais que sua voz seja tímida. Deseja ser ouvido sem aspirações de hegemonia, mas com determinação de presença. Não pregaremos ao mundo o que não falarmos dentro de nossa fronteira. Estamos reconciliados. A nossa força passou a ser a coerência. Nosso discurso interno é igual ao nosso chamamento internacional. E desejamos, agora, revigorar, com redobrada afirmação, nossa presença no debate das nações. Uma política externa independente, dinâmica e voltada para a solução das questões internacionais de conteúdo social.” Para Otávio Cortes, a ONU passa a ser cenário de uma clara política de intensificação da participação brasileira nas questões mundiais. Ele identifica a consolidação dessa presença no cenário internacional à apresentação, em 1986, do Projeto de Resolução, coordenado e promovido pelo Brasil, com apoio do governo argentino, que resultou na criação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas). Com intuito de promover a cooperação, paz e segurança dos continentes sul-americano e africano, a terceira reunião da Zopacas – 1994, em Brasília – formaliza a adesão à Declaração de Desnuclearização do Atlântico Sul. Em outubro de 1987 o Brasil vê o resultado prático de sua nova agenda internacional ao ser eleito por 151 votos, do total de 159 membros da ONU, para assumir uma das 15 vagas do Conselho de Segurança das Nações Unidas(CSNU), no biênio 1988/89, o que não ocorria desde 1969. Considerado o principal órgão para questões relacionadas à paz e à segurança internacional, com assento no CSNU o Brasil não somente reassumia um papel mais próximo nos trabalhos da ONU, como agora tinha participação ativa nas propostas de reestruturação da organização. Por outro lado, com o retorno dos regimes democráticos em praticamente todos os países da América do Sul na década de 80, Brasil e Argentina empreenderam um esforço singular no sentido de construir uma nova realidade nas suas relações bilaterais. Encarando os embates regionais como um desperdício de forças em um mundo altamente competitivo, Sarney e Alfonsín elaboram e executam uma política de aproximação entre seus países que vai resultar adiante na integração das duas nações somadas ao Uruguai e Paraguai, gerando o Mercosul. Otávio Côrtes considera que “talvez tenha sido esta a mais importante iniciativa do governo José Sarney no campo externo”.


Fontes: "A política externa do Governo Sarney" - trabalho do diplomata Octávio Côrtes Jornal Valor Econômico (artigo de Assis Moreira)Rubens Bayma Denys - (ministro-chefe do Gabinete da Presidência do governo Sarney)Raquel Patrício – Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília

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Para saber mais sobre a "Transição", leia o livro de Sarney na Internet sobre o assunto.

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