sexta-feira, 3 de junho de 2011

José Sarney

Tempo presente

Estou, ultimamente, certo de que um fenômeno está surgindo no mundo atual: a compressão do tempo. Ele está cada vez mais chato e achatado. Parece que a cada dia ele fica mais curto. O tempo, se examinado retrospectivamente, nos dá uma visão de como os fenômenos ligados à Terra e à vida se sucedem em espaços cada vez mais compactos. 13,7 bilhões de anos atrás ocorreu o Big Bang. O sistema solar se formou 9,1 bilhões de anos depois. A Terra viu surgir a vida, bactérias, no seu primeiro bilionésimo. Só há 245 milhões de anos aparecem os mamíferos. O homem chega há apenas 135 mil anos. De 34 a 16 mil anos faz arte nas cavernas. Há 13 mil começa a cultivar cereais e controlar rebanhos. 8 mil e 500 anos é a idade de Jericó, a primeira grande cidade, com 2 mil e 500 habitantes. Três mil anos depois, é a vez da escrita. O século de ouro é o 5º século a.C.: Confúcio, Buda, os grandes filósofos gregos, república na Grécia e em Roma. O livro tem 500 anos, e o ipad é um bebê de um ano. Santo Agostinho perguntou e respondeu: “Mas o que é tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei, mas se eu tentar explicar, não sei.” Sem saber o que é o tempo, o homem sempre tratou de registrar sua passagem — isto é, registrar os movimentos astronômicos como unidades de medida. Os calendários foram se adaptando e ficando cada vez mais precisos em relação ao ano solar. Mas o ano foi ficando curto, e assim também as semanas, os dias, os minutos, para a quantidade cada vez maior de informação que circula. Com a comunicação em tempo real e a universalização das fontes, soubemos sobre o pepino espanhol — que não é espanhol e talvez só seja um pepino no sentido de ser um abacaxi — na mesma hora dos alemães. É o tempo comprimido de tal maneira que não temos tempo para refletir; o pensamento é atropelado pela corrente de informações e tem dificuldade em se tornar a origem de criação. T.S. Eliot, o grande poeta, escreveu que “Tempo presente e tempo passado / Estão ambos talvez presentes no tempo futuro / E o tempo futuro contido no tempo passado.” Esta visão em que um instante está prenhe de outro, em que futuro, presente e passado se entrelaçam, está cada vez mais viva. Mais do que a frase de Platão — “tempo é a imagem em movimento da eternidade” —, o poema de Eliot nos explica que o tempo é inexplicável, e, pouco ou muito, sempre é a captura de um fragmento de nossas vidas. É como no velho soneto de Frei Antônio das Chagas sobre a vida: “Eu que gastei sem conta tanto tempo…” e “Chorarão se não der tempo. 

José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
jose-sarney@uol.com.br

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