Senadores, organizações da sociedade civil e familiares de vítimas concordam sobre a necessidade de punição para os torturadores a serviço da ditadura (1964-85). Durante debate na Comissão de Direitos Humanos do Senado, eles manifestaram ainda preocupação com o formato previsto no projeto aprovado recentemente na Câmara, apontando que pode haver frustração das famílias envolvidas no processo.
“Essa não é uma comissão para reconciliar algozes e vítimas. É uma comissão para completar o nosso processo de transição democrática”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), em referência a um dos artigos do projeto enviado no ano passado pelo governo Lula ao Congresso, no qual se prevê que a Comissão da Verdade terá a função de “promover a reconciliação nacional”.
O ponto em comum entre a maioria dos oradores foi a preocupação com o tamanho da comissão, de sete integrantes, com o prazo para investigar os fatos, de dois anos, e com o período compreendido pelas apurações. Para reduzir a resistência dentro das Forças Armadas, os ministros do governo anterior resolveram estender o prazo de investigação de violações de direitos humanos cometidas pelo Estado, entre 1946 e 1988, que é o intervalo entre duas constituições. A senadora Ana Rita (PT-ES) defendeu que o texto seja alterado para voltar a compreender exclusivamente as infrações cometidas durante o regime autoritário.
O padre Geraldo Martins, assessor político da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), apontou que resgatar a memória da repressão é fundamental para que o problema não volte a ocorrer. Ele ponderou que a Comissão da Verdade tem “a responsabilidade de não frustrar as expectativas daqueles que aguardam a verdade dos fatos até hoje ocultados”.
O senador Pedro Taques (PDT-MT) acrescentou que é fundamental que o Ministério Público Federal possa ter acesso aos resultados da investigação para que possa dar sequência à punição judicial de torturadores. “O que faremos com os resultados da Comissão da Verdade? Serão colocados em um museu?”, indagou.
Marcus Vinícius Furtado Coelho, secretário geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), indicou a necessidade de a Comissão da Verdade ter uma composição plural, com integrantes da sociedade civil, e pediu que se tenha um prazo de cinco anos para as investigações. A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Carvalho, somou a isso o pedido de que militares não possam integrar o colegiado para que não haja risco de que imponham obstáculos aos trabalhos.
A OAB foi autora de ação que levou o Supremo Tribunal Federal a reavaliar, no ano passado, a validade da Lei de Anistia para a proteção dos violadores de direitos humanos durante a ditadura. Na ocasião, a maioria dos ministros do STF defendeu a tese de que a anistia foi fruto de um acordo amplo dos diferentes setores da sociedade, o que pressupunha perdoar as violações ocorridas tanto do lado da resistência quanto do lado dos repressores.
Em dezembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Brasil por não tomar diversas providências no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. Além de obrigar o país a envidar esforços na busca das vítimas das Forças Armadas, a entidade manifestou que não se pode utilizar a Lei de Anistia como pretexto para deixar de punir quem cometeu violações de direitos humanos, que se constituem em crimes imprescritíveis. Com base nessa decisão, a OAB pediu que o STF faça uma reinterpretação de sua decisão a respeito, mas os ministros têm manifestado que não há necessidade e que a lei nacional se sobrepõe à decisão internacional, uma visão que é criticada por especialistas.
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