Um gesto histórico
O presidente da Assembléia Legislativa do Maranhão
promoveu um gesto histórico, simbólico, mas de profunda justiça: a devolução dos
mandatos dos deputados cassados em 1964, Benedito Buzar, grande historiador do
Maranhão, presidente da Academia Maranhense de Letras (AML) e notável
pesquisador; Sálvio Dino, escritor consagrado e membro da AML, e Kleber Leite,
que foi meu compadre. Sem dúvida alguma, faço aqui, desta coluna, um apelo ao
deputado Arnaldo Melo, que tem presidido tão bem e com grande competência a
nossa Casa Legislativa, que complete seu trabalho de justiça, fazendo-o,
também, com os suplentes, Bandeira Tribuzi, Vera Cruz Marques, José Bento Neves
e William Moreira Lima, homens dignos e de valor, que também foram alvos dessa
brutalidade. Recordo-me muito bem dos fatos daquele tempo. Com a perplexidade
dos primeiros momentos da Revolução de 64, em alguns estados, os governadores
aproveitaram o vácuo de poder para fazer uma limpeza de etnia política dos seus
adversários. Assim, resolveram bani-los da Assembléia. Eram vozes batalhadoras,
vibrantes, vigilantes. Mas, sobretudo, por trás da medida, estava o velho
costume da política do Maranhão, que eu acabei, da vingança, do ódio e da
incapacidade de lidar com a divergência e a controvérsia. O medo e o temor dominavam o ambiente. A delação e a perseguição provocavam a
prisão de muitos políticos, todos do nosso lado e outros por motivos
ideológicos. Eu sempre tinha sido adversário do Jango, mas liberal, democrata e
independente não estava ligado aos grupos radicais que levaram ao golpe. Evandro
Sarney, meu irmão, me comunica o que estava havendo e que o governo do Estado
estava aproveitando para perseguir nossos amigos, muitos presos. Não tinha
nenhum contacto com os chefes revolucionários, eu mesmo citado como um dos que
seriam alvo de punição. Mas, da UDN, seu vice-presidente e muito respeitado,
procurei o Adauto Lúcio Cardoso, nosso líder, meu amigo, e Paulo Sarasate,
muito ligado ao presidente Castelo Branco que, ao saber do que estava ocorrendo
no Maranhão, para aqui enviou um seu representante e mandou parar com o
massacre. Mas o estrago já estava feito. Vim ao Maranhão. No Congresso, em meio
ao pânico geral, eu, de acordo com meus princípios, embora enfrentando a
chamada “linha dura”, afirmava: “Aqui não se cassa mandato de ninguém fora dos
termos previstos na Constituição, que deve ser respeitada a qualquer preço”. E
o Congresso não cassou. As cassações condenáveis e injustas vieram do poder
revolucionário. Aqui, era a própria Assembleia que levava à guilhotina seus
membros. A meus amigos, expondo-me a todos os riscos, fui solidário. José
Aparecido, meu estreito companheiro e amigo, diz em suas memórias: “Sarney foi
o único companheiro que se colocou num risco pessoal ao nos dar fuga naquele
instante. No seu próprio carro, ele dirigindo, nos levou à embaixada em que nos
asilamos. Deixou no meu bolso um envelope. Depois fui ver: era 220 e poucos
dólares que guardara como saldo de uma viagem ao exterior”. No Maranhão, em
meio ao medo geral e com coragem, fui ao 24º BC visitar Tribuzi. Dou a palavra
a Maria Tribuzi, em seu depoimento: “Sarney tirou o dinheiro que estava
guardando para sua campanha a governador e custeou a defesa dele (Tribuzi).
Castelo gostava muito dele (Sarney), mas que ele tinha uma pessoa acusada de
subversão que estava muito próxima a ele e era seu braço direito. Sarney
respondeu: “Ele não vai sair (do governo). Se sair saímos nós dois” – (em O
Caminho das Águas). Fui governador naquele tempo da Revolução. Tinha todos os poderes. Nunca cassei
ninguém. Nunca demiti ninguém. Nunca persegui ninguém. Deixei livre um veículo
mais cruel em cima de mim, que até hoje destrói minha imagem. Aqui não foi
preciso anistia porque ninguém foi punido pelo meu governo. Assim louvo o gesto
de Arnaldo Melo e seus pares, e sei que vai completá-lo devolvendo o mandato de
Tribuzi e dos outros. E Parabéns (com P maiúsculo) aos simbólicos deputados.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
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