O mundo inteiro viveu, nestas últimas semanas,
voltado para a Basílica de São Pedro, onde, além dos homens e do espetáculo da
mídia, sobre as pedras, e não sobre as águas, como diz o Gênesis no
relato da Criação, estava o espírito de Deus. E ele se afirmou na escolha do homem
encarregado por esse desígnio sobrenatural para dirigir a Igreja neste instante
tão difícil e de tantas perplexidades e problemas, chegando mesmo o cardeal dom
Cláudio Hummes, esse velho sacerdote carregado de virtudes, dizer que “a Igreja
não funciona mais” e criticar sua conduta, sua maneira de ser e até mesmo seus
rituais, chegando à celebração da missa. Ninguém esperava esse argentino de uma
vida simples e cheia de exemplos tão humanos como o cardeal Jorge. O espírito
de Deus não está sujeito à mídia nem às bolsas de apostas e, enquanto a
especulação corria solta, eis que surge uma novidade para nós e não para os
Seus planos. E o escolhido não chega discutindo a pederastia nem o Banco
Vaticano, mas dá o exemplo simples de usar a cruz de ferro e não a de ouro, ir
ao balcão do seu modesto hotel e pagar a sua conta e escolher o nome de
Francisco. Nada de grandes discussões filosóficas nem teológicas, mas as coisas
simples e os males e pecados da vida cotidiana. É esta que está em confronto
com a fé, quando o homem, mergulhado na busca do consumismo e do hedonismo,
abandona sua própria razão de existir ao não meditar sobre a mais simples das
indagações humanas: “De onde venho, para onde vou, o que sou e o que somos e o
que serei?” Como disse, também, dom Cláudio, seu nome já é uma encíclica. Essa
escolha do nome Francisco é falar da pobreza, da dedicação da vida dos
sacerdotes a Deus, de buscar o “caminho” do qual falou e não se apartar do
Cristo. Ir ao povo mais humilde, como foi São Francisco, falando aos pássaros
quando os homens não queriam ouvi-lo. Humanidade, espiritualidade,
transcendência. Também não passou despercebido que, na escolha do nome
Francisco está uma mensagem de união. As ordens dos franciscanos e dos jesuítas
foram sempre rivais. Os primeiros eram a igreja dos pobres e os segundos a dos
iluminados, do conhecimento, do poder, dos meandros da política, chegando mesmo
a rivalizar com o Papado, obrigando João Paulo II a chamar o Geral dos
Jesuítas, o famoso padre Arrupe e, com aquele seu espírito forte de liderança,
dizer: “Ajoelhe-se. Os jesuítas têm o voto de obediência ao papa. Cumpra”. E
enquadrou-o, afastando-o da Teologia da Libertação. Pois é o papa Francisco que
agora une franciscanos e jesuítas para a mesma fé e mesma missão. E como ele é
muito popular em Buenos Aires, que não fique chocado quando vier ao Rio em
julho próximo para a Jornada da Juventude e um carioca, desses do gingado mole,
lhe pedir: “A bênção, papa Chico!”
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
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