Em uma entrevista, George Soros, o
homem que é mais poderoso que muitas nações e cuja fortuna é maior do que o PIB
de muitos países juntos, fez algumas reflexões sobre o seu “métier” e avançou
difusas afirmações que ele cataloga como filosóficas, uma vez que se define
como filósofo (com alguns seguidores no Brasil) e queixa-se de não ser ouvido
como pensador. Com tanto dinheiro, ele pode ser tudo, até mesmo vendedor de
sabedoria, como Diógenes. Não me impressionaram suas
constatações sobre o Brasil, que ele dizia estar no olho do furacão. Isso não é
novidade, já que todo o esforço que estamos fazendo com precavido sucesso é
para livrarmo-nos dos tentáculos desses ventos e raios. Mas fiquei a meditar sobre suas
perplexidades quanto ao futuro do capitalismo, ele que era uma das emblemáticas
emergências do neoliberalismo. Sua indagação-síntese é a incerteza sobre se o
capitalismo, principalmente financeiro, funciona em nível mundial, isto é, se é
possível admitir um sistema que fuja de todas as barreiras nacionais, de
controles e fiscalizações, ordenamentos e interesses peculiares a cada país
para, atropelando fronteiras e soberanias, funcionar apenas sustentado nas leis
de mercado. Minha convicção, com a devida prudência com relação a um filósofo de 20 bilhões
de dólares, é a de que estávamos assistindo, com acentuada predominância nas
décadas de 80 e 90, a um modismo predador que possibilitou uma acumulação
escritural de capital fora de qualquer realidade. Quando esses papéis em
conjunto buscam liquidez, esse movimento é sempre acompanhado de terremotos. A
crise asiática, a crise japonesa, a crise mexicana, a crise russa são exemplos
trágicos do perigo a que estamos expostos. Não convence a teoria das
fragilidades que se constrói para justificar esses abalos. Como pensar num capitalismo que opera
sem vigilância, buscando sempre lucros astronômicos e sem riscos? A qualquer
sinal de dificuldade ele foge, realiza seus resultados, destrói economias, pula
destas para outras que, ao recebê-lo, contraem o vírus da candidatura de ser o
alvo da próxima crise. O comunismo -vamos repetir- não foi
derrubado por ninguém, foi vítima de suas próprias contradições. O mesmo
acontecerá com o capitalismo, na nova utopia do mercado, como mágica fórmula de
resolver as dificuldades, problemas, relações econômicas e sociais do mundo. A
destruição do Estado do bem-estar social, sem nada para substituí-lo, é um dos
maiores crimes já cometidos contra o avanço da justiça social, do humanismo, da
liberdade contra todas as formas de opressão. Jamais as relações internas e
externas prescindirão de um Estado qualitativamente forte e regulador. Como pensar num sistema com
desemprego estrutural, robotização, salários baixos, salários zero, como é o
dos que não têm emprego, e baseado nessa ciranda incontrolável da flacidez do
capital? Soros, o filósofo, levanta o véu. Ele
está temeroso de que o seu próprio sistema não sobreviva. Com ele, estadistas
do mundo inteiro inquietam-se. Enquanto não se monta uma nova ordem
mundial, pois Bretton Woods morreu, não podemos ficar expostos à depredação de
nossas economias e à condenação de optar entre ser satélite ou explodir.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá, presidente do Senado Federal. Tudo isso, sempre eleito. São mais de 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
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