Governo Sarney e o desafio da economia
Que Sarney,
quando na Presidência, para enfrentar o processo inflacionário herdado do
regime militar, peitou o FMI e não deixou que se impusesse ao povo, depois de
mais de vinte anos de ditadura, qualquer plano ortodoxo baseado na recessão, no
desemprego e no atraso?
Que, com o
Plano Cruzado e a prioridade do “Tudo pelo Social”, o governo Sarney salvou a década
de 80 da derrocada?
A inflação não foi
uma invenção do governo Sarney. O general Figueiredo já havia deixado a
desvalorização da moeda perto dos 300% ao ano, como consequência dos erros dos governos anteriores (Médici e Geisel) no enfrentamento das duas crises mundiais do petróleo da década de 70. Sarney, então sem qualquer apoio popular e
tendo assumido um governo que não estava esperando, com coragem,
determinação e espírito público, criou o Plano Cruzado, sabendo de todas as
dificuldades. Na noite em que se reuniu com a equipe econômica para decidir
sobre a implementação do plano, o presidente deixou claro: “Sei, perante todos os
senhores, que estou colocando a minha cabeça na guilhotina, mas temos de ter
ousadia. Vamos ousar! Vamos tentar romper essa barreira para tentar dominar a
inflação!” E assim foi feito. Com a experiência do Plano Cruzado, que mais
tarde serviria de base para o sucesso do Plano Real, o desemprego caiu de 8%
para 2,36%, o menor de nossa História. A inflação real em todo o governo
Sarney, mesmo com o Plano Cruzado tendo sido sabotado pelas grandes corporações,
segundo dados da consultoria Tendências, em dólares, foi de 17,3%. Isto foi
possível porque, questionando a visão recessiva da tecnocracia, Sarney exigiu
que houvesse a correção mensal dos salários, que se tornou, segundo o próprio
Sarney, o “colchão no qual se apoiavam os assalariados para diminuir o impacto
da inflação”.
Sobre o assunto, o ex-presidente já explicou: “Fala-se em
inflação com correção monetária e em inflação sem correção, como se fossem a
mesma coisa. São coisas impossíveis de comparar. Eu digo que uma inflação de 6%
ao ano sem correção monetária, como vinha ocorrendo com o salário do
funcionalismo, é mais corrosiva do que a de 80% ao mês daquele tempo, corrigida
mensalmente. Pergunte a qualquer trabalhador, com mais de 35 anos, o que ele
acha das duas situações.” Apenas ao final do governo Sarney a economia sofreu pela intranquilidade gerada pelos radicalismos dos então candidatos à sucessão presidencial.
Não se sabia o que candidatos como Lula e Collor fariam com a economia. A especulação
correu solta. A inflação subiu de 5%, em março de 1989, quando começou a
campanha eleitoral, para 82%, em março de 1990. Essa inflação não foi do
governo Sarney. Era fruto da expectativa do futuro governo. Posto muitas vezes
diante da alternativa da recessão, Sarney novamente insistiu em defender o
poder de compra dos trabalhadores com a indexação dos salários, corrigindo-os
mensalmente. E mostrou que estava certo. A conquista maior do Plano Cruzado foi ter transformado a economia
do Brasil, colocando a questão social no debate político pela primeira vez e
estimulando a participação da sociedade na fiscalização dos assuntos de seu
interesse, como ocorreu com os “fiscais do Sarney”. Foi, também, ter permitido a reforma do Estado rumo à
transparência, com a extinção da conta-movimento do Banco do Brasil, a
unificação do orçamento da União, a criação do SIAFI, da Secretaria do Tesouro.
A opção de “Tudo pelo Social” refletiu o empenho em voltar o Estado para os
mais humildes. No Programa do Leite foram 1 bilhão e 300 milhões de litros distribuídos a 7,6 milhões
de famílias.
O vale-refeição tinha 18 milhões de beneficiados por dia; o
vale-transporte, 26 milhões. Criou-se o seguro-desemprego. 58 milhões de
crianças passaram a ser atendidas diariamente pela merenda escolar. A farmácia
básica do CEME chegou a 50 milhões de pessoas. A reforma agrária, instituída em
1965, finalmente começou a ser realidade. A área irrigada aumentou em 1 milhão
de hectares. A cultura tornou-se um desafio do governo, com ministério próprio e a lei de incentivo. A pesquisa científica recebeu apoio incondicional — foram dadas 133 mil bolsas de estudo, mais do
que em todos os anos anteriores do CNPq juntos —, alcançou resultados
importantes no enriquecimento do urânio e domínio da água pesada, com fibras
óticas e de carbono, com lasers de alta potência. Foi criado o IBAMA e iniciada
a defesa sistemática do meio ambiente. O Calha Norte marcou nossa soberania
sobre a Amazônia. Ao final do governo, Sarney tinha um resultado que, visto com
os olhos de hoje, é surpreendente: crescimento e pleno emprego — o PIB per
capita em dólares dobrou, chegando a US$ 2.923 (em 2004 estava em US$ 2.789),
enquanto o desemprego era o menor de nossa História (2,36%). O país era a 7ª
potência industrial do mundo. Tivemos 67 bilhões de dólares de saldo comercial
(contra um déficit de 8 bilhões de dólares no período de 1995/2002). O PIB
passou de 189 para 415 bilhões de dólares, e a dívida externa caiu de 54% para
28% do PIB. A produção de petróleo passou de 2,7 para 8 bilhões de barris. A
safra agrícola passou de 50 para 60 milhões de toneladas de grãos. No setor
elétrico, a produção aumentou em 24,1%, o número de consumidores em 22,3%,
foram investidos 29 bilhões de dólares. O déficit primário de 2,58% do PIB foi
transformado em superávit de 0,8%. Quer dizer, por causa da coragem de Sarney, ao
contrário do que se propala sem fundamentos sérios, a década de 80 não foi
perdida. Se separarmos os períodos de 1980 a 1985 e de 1985 a 1990, verificaremos
que, de 1985 a
1990, obtivemos números na economia que até hoje não foram superados no Brasil.
Naqueles cinco anos, crescemos 99% no nosso PIB; chegamos a ter o terceiro
saldo exportador internacional, depois do Japão e da Alemanha. A renda per
capita, em 1984, era de US$1,468 e, em 1989, chegou a US$2,923. Hoje, está em
US$2,789. Isso demonstra que aquele não foi um período de paralisação. Ao
contrário, o Brasil avançou, e muito, durante aquele período. Você sabia de tudo isso?
Confira os gráficos a seguir (clique nas imagens para ampliá-las):
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