terça-feira, 22 de abril de 2008

Artigo

"Modernidade e Mosquitos"

Por José Sarney*

O tema dos Anos 90 foi a modernidade. Havia desejo por mudanças. A "Queda do Muro de Berlim" tinha fortalecido as concepções liberais fundamentadas no enfraquecimento do Estado do Bem-Estar Social. No Brasil, uma nova agenda política foi imposta: o controle dos gastos públicos e o enxugamento do Estado. Com isso, houve a desregulamentação da economia, a reforma desordenada do Estado, as privatizações e a inserção acelerada do Brasil na economia globalizada. A preocupação com a questão social foi sendo substituída pelas leis de mercado. Tudo em nome da modernidade. Mas sempre achei difícil saber quem é moderno e quem não é. Aliás, essa discussão não é só do Brasil. Já Péricles, na Grácia Antiga, disse no discurso aos mortos da Guerra do Peloponeso que tinha orgulho da modernidade de Atenas. É o mais mais antigo documento sobre as idéias políticas do Ocidente. O general Delgado, aquele que brigou com Salazar, ao chegar ao Brasil, deu os motivos pelos quais divergia: Salazar é um retrógrado. "Usa botas e não anda de avião." Essa coisa de modernidade, portanto, é sempre uma questão muito problemática. Fui tido como arcaico porque defendi a não-privatização da Vale do Rio Doce, uma agência de desenvolvimento. Estou em paz com minha consciência, a favor do Brasil, ao lado da maioria do arcaico povo brasileiro e na companhia de Barbosa Lima Sobrinho. Por isso, não consigo entender que, em nome da modernidade, insistam em destruir o que sempre funcionou bem. Caso exemplar é o que está acontendo com a saúde pública. A globalização neoliberal trouxe novidades boas, como o maior contato entre os povos e a integração econômica. Mas, justamente por isso, trouxe também problemas novos. Transformado o trabalho num recurso global, houve o aumento da pobreza nos países atrasados e impedidos de se desenvolverem e, por conseguinte, das migrações para os ricos - ou em desenvolvimento. Mas as migrações não são apenas de pessoas, mas também de doenças, que viajam hoje de avião tanto quanto os executivos das multinacionais. A Organização Mundial de Saúde, inclusive, lançou alerta contra "a malária de aeroporto".
A situação no Rio de Janeiro, submetido a uma grave epidemia de dengue, mostra que a nossa "modernidade" parece ser, ironicamente, a volta inadmissível aos problemas do início do século XX, quando a situação do Rio de Janeiro era precária. Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz e prefeito Pereira Passos deram início ao combate efetivo às endemias e epidemias no Rio de Janeiro e no Brasil. A criação da Superintendência de Campanhas de Saúde, em 1956, com JK, deu uma dimensão nacional às campanhas. Nos Anos 70, a SUCAM aperfeiçoou a atuação do exército dos guarda-mosquitos, que percorriam o Brasil inteiro, instruindo a população casa a casa, borrifando as residências, eliminando os focos do mosquito, pulverizando as regiões infestadas. Era um trabalho permanente e eficiente. Mas, em 1990, em nome da tal "modernidade", foi extinta a Sucam e os casos de dengue logo ultrapassaram 100 mil e não pararam de crescer até hoje. Em 2002, outro governo extinguiu a Funasa e demitiu 90% dos mata-mosquitos no país através da Medida Provisória (MP) nº 33. Já havíamos erradicado o problema. Mas, em nome de uma "modernidade" tecnocrática e monetarista, os casos de dengue e outras doenças explodiram. Este ano, os números são alarmantes não só no Rio de Janeiro, que tem maior visibilidade. Mas outras capitais do Nordeste e da Amazônia também apresentam problemas. No Amapá, por exemplo, continua não só como uma epidemia, mas endêmica, embora tenha havido uma queda progressiva nos casos no estado. Em 2007, no período de janeiro a primeira semana de abril, foram registrados 1.252 casos. Em 2008 o número passou a 202 casos. Nenhum óbito causado por dengue foi registrado. Em 2007, foram quatro mortes. Isto foi resultado das ações emergenciais sérias do governo do Estado e das prefeituras. Mas, somente uma campanha nacional pode viabilizar a erradicação do problema. Não se pode contar apenas com a educação e a consciência da população. O Estado tem que ter um corpo de funcionários em permanente atuação, como ocorria no passado recente. Afinal, "modernidade" é se conseguir eliminar os fatores anti-civilizatórios que permitem a proliferação dos mosquitos.


*José Sarney (PMDB-AP) é ex-presidente, senador do Amapá e acadêmico da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa

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