quarta-feira, 2 de junho de 2010

“Nunca recebi nenhum relatório (do SNI) sobre movimentos sociais”, diz Sarney à Folha SP

Integra de entrevista sobre o SNI, publicada pela Folha SP em 31/05/2010

Folha — Como o senhor qualifica o trabalho do SNI naquele período (Governo Sarney/1985-1990), sob o ponto de vista da organização, métodos e transmissão das informações ao Governo?

José Sarney — O trabalho do SNI, naquele período, pareceu-me sempre burocrático, e o seu Ministro-Chefe encontrava-se comigo em reuniões de trabalho, das quais participava com os Chefes da Casa Civil e da Casa Militar, e se restringia a me transmitir notícias que, em geral, já eram do conhecimento da mídia. Logo que assumi, dei instruções para que o órgão suspendesse toda e qualquer atividade no que se referia a investigar a vida particular das pessoas, dizendo que isso não correspondia a nenhum interesse de Estado.

Folha — Olhando em retrospecto, o senhor concorda com as atividades do SNI no tocante à atenção dedicada aos movimentos sociais?

José Sarney — Nunca recebi nenhum relatório sobre movimentos sociais. Atribuo isso ao fato de o General Ivan de Souza Mendes ter certa reserva a respeito da posição do Presidente. Depois que já deixara de ser Presidente, tive acesso a uma entrevista dele a um jornalista fazendo críticas ao próprio Governo, bem como a um documento dirigido ao Presidente Geisel com restrições graves a minha pessoa, cuja fonte era o Senador Vitorino Fernandes, seu particular amigo. No fim do Governo, pedi ao SNI que fizesse um levantamento de todas as greves que tivessem sido realizadas no meu Governo, com as horas de trabalho perdidas, apenas para fins estatísticos. Por outro lado, pedi que as análises sobre conjunturas internacionais feitas pelo SNI me fossem mandadas com regularidade, pois as considerava de boa qualidade.

Folha — O SNI tinha autonomia para escolher as "áreas de interesse" de seus trabalhos ou, de alguma forma, o senhor colaborava para indicar essas áreas? Qual era o grau de autonomia do SNI?

José Sarney — Jamais entrei no âmago das atividades do SNI, que me pareciam, praticamente, hibernadas. Se o SNI tinha informações e escolhia áreas de interesse, nunca levou isso ao meu conhecimento.

Folha — Chama a atenção que o SNI, mesmo num governo civil, tenha desenvolvido os mesmos acompanhamentos sobre setores da vida brasileira que marcaram negativamente sua atuação durante a ditadura militar. Por que o SNI foi mantido mesmo sob o seu governo? Por que não foi extinto (como viria de fato a ser, no governo Fernando Collor)?

José Sarney – Não tinha conhecimento desse assunto. Quando precisava de informações sobre a situação sensível do País, elas me eram dadas pelo Conselho de Segurança Nacional, por meio do seu Secretário-Geral, General Bayma Denys. Eu assumi o Governo com o programa trazido pela Aliança Democrática e, nesse documento, não constava a extinção do SNI; ao contrário, a orientação que Tancredo Neves sempre pregava é que não tivéssemos revanchismos. Acredito que as extinções posteriores foram apenas troca de siglas.

Folha — O Presidente da República recorria com que frequência aos relatórios elaborados pelo SNI?

José Sarney — Nunca recorri. Se o SNI fazia esses relatórios rotineira e permanentemente, não era para que fossem entregues ao Presidente da República. De maneira que eu não os recebia e, nos meus arquivos, não se encontra nenhum deles.



    Folha — Alguma vez o senhor se valeu especificamente dos serviços/informações do SNI para tomar uma decisão de governo? Em caso positivo, qual a decisão específica?

    José Sarney — Não.

    Folha —
    O MST foi criado em 1984, um ano antes da posse do senhor na Presidência. Os documentos liberados demonstram que MST e sindicatos de trabalhadores rurais eram objeto de atenção do SNI. Como o senhor acompanhava as movimentações do MST e dos trabalhadores rurais? O senhor era informado sobre reuniões, congressos e eventos do gênero?

    José Sarney - De minha parte, não havia nenhum acompanhamento direto — até mesmo porque o MST estava começando — mas apenas informações informais que me eram trazidas pelo Chefe do SNI sobre acampamentos.

    Folha — O senhor recebeu informações sobre comícios e outros eventos realizados por candidatos à Presidência durante a corrida eleitoral de 1989?

    José Sarney — Não.

    Folha — Com que frequência o senhor recebia em audiência o então chefe do SNI, Ivan de Souza Mendes?

    José Sarney — Eu o recebia, todos os dias, numa reunião que eu promovia, às 08h30min horas, com todas as autoridades da Casa.

    Folha — As questões levantadas ou apuradas pelo SNI eram também discutidas pelo senhor com o general Leônidas Pires Gonçalves, então ministro do Exército?
    José Sarney — As pautas relativas aos despachos com o Ministro do Exército eram inteiramente diferentes dos assuntos do SNI, até mesmo porque os militares têm verbas específicas para cada uma das suas atribuições.

    Folha — O governo do senhor prestou grande atenção à modernização das Forças Armadas, com recursos extra-orçamentários estimados em US$ 1 bilhão para aquisições de equipamentos e treinamento da tropa. A destinação de tais recursos ajudou o governo a superar eventuais problemas no período de transição do regime militar para o civil?

    José Sarney — É verdade. Um dos meus objetivos era profissionalizar as Forças Armadas para retira-las da política, e a única maneira de fazer isso era por meio de um projeto de modernização, engajando-os no treinamento da tropa, superando a situação precária em que se encontravam. Acredito que esse programa tenha dado certo, uma vez que deixei o Governo com as Forças Armadas totalmente voltadas para problemas militares, longe da política.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Acompanhe

Clique para ampliar