África II
Na semana passada dividi com meus leitores uma meditação sobre a África, este continente tão sofredor, onde o homem nasceu e transformou-se, na expressão de Hobbes, no seu próprio lobo. Castro Alves dizia em versos imortais que Deus a esquecera. Ela vive agora uma nova etapa, esta despertadora. Os heróis libertários fizeram a independência mas se tornaram ditadores e reis absolutos. A semana foi de exacerbação da crise do Egito e extensão do processo que marcara a África do Norte, aos países árabes do Oriente Médio; e Marrocos, Jordânia, Iêmen, estão na fila para serem os próximos a terem seus regimes substituídos. Uma das constatações mais importantes continua sendo que as redes sociais e as novas tecnologias se tornaram o veículo portador da chama da revolta por conseguirem, de uma maneira ou outra, escapar da censura. As tentativas do governo egípcio de silenciar a internet e os telefones celulares foram contornadas por provedores e grupos de voluntários fora do país, e pelo movimento das associações locais que transmitiram as palavras de ordem de boca a boca, quando não puderam utilizar os instrumentos eletrônicos. O governo Mubarak, vendo o apoio externo seguir a dissolução da paz interna, apelou nos últimos dias para a violência. A batalha veio para as ruas e ainda pode tornar-se muito sangrenta. Na Tunísia morreram cerca de 200 pessoas. Esse número talvez venha a ser muito maior no Egito. O que aí pode acontecer sabem os que como eu viram as imagens do assassinato de Anwar Al Sadat, que havia feito a paz com Israel, pelo Jihad Islâmico Egípcio, quando atiraram sobre todo o corpo diplomático que acompanhava o presidente. Outro elemento que é preciso reconhecer é que a posição de Barak Obama, que tem a iniciativa no processo de pressão dos países ricos para que a transição seja rápida, é uma confirmação do imenso erro da política liderada pelos Estados Unidos em relação aos países árabes. No Irã, foi primeiro o apoio ao Xá, depois a Khomeini, que resultaram na formação do estado islâmico, uma ditadura e uma fonte permanente de preocupação para o mundo. Os ganhos que os EUA obtiveram nessa loucura de invadir o Iraque foi só a cabeça de Sadam Hussein, para entregar a região aos xiitas. No Líbano, deixaram o Hezbollah acabar com o regime de conciliação. A política de manter ditadores pode resultar em novas teocracias, em lugar das sonhadas democracias islâmicas. Mas o momento é de perplexidade. E eu custo a acreditar que possam triunfar teocracias democráticas, com direitos humanos e liberdades civis.
José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa.
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