Lei de
direitos autorais pretende impor clareza sobre critérios de arrecadação e
distribuição de pagamentos aos artistas do país (CC/Zeca Baronio)
O Projeto de Lei do Senado (PLS) 129, de 2012, que
modifica a gestão coletiva de direitos autorais no Brasil, passará a ser
discutido hoje (27) pelo plenário da Casa – e poderá inclusive ser votado. “Mas
é pouco provável”, prevê à RBA o
senador Randolfe Rodrigues
(PSOL-AP), um dos autores do texto junto com Lindbergh Farias (PT-RJ). “Os
líderes já concordaram sobre a urgência em votar a matéria, mas há uma Medida
Provisória trancando a pauta. Acredito que seja votado até o final da semana.”
De acordo com Randolfe, a perspectiva é de aprovação. “Não vejo argumento
razoável contra o PLS 129/2012, que vem para corrigir os defeitos da gestão
coletiva de direitos autorais no Brasil, que é anacrônica e corrupta.” O PLS
129 nasceu na esteira da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou
as atividades do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). A
chamada CPI do Ecad ouviu músicos, compositores e produtores, além de
empresários do ramo musical, funcionários e dirigentes da entidade, e chegou à
conclusão de que o órgão responsável por arrecadar o dinheiro proveniente dos
direitos autorais no país – e depois distribui-lo a seus detentores – tem
praticado uma série de irregularidades. Alguns de seus diretores foram acusados
pela CPI por crimes de falsidade ideológica, sonegação fiscal, apropriação
indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de cartel e
abuso de poder econômico. “De órgão meramente executivo da arrecadação e
distribuição, o Ecad tornou-se uma instituição poderosa, que está a desafiar os
princípios elementares do Estado democrático de direito”, diz o relatório final
da Comissão. Os parlamentares que integraram a investigação não querem que o
Ecad continue trabalhando sem fiscalização do poder público. Por isso, o PLS
129, de 2012, determina que o Ministério da Justiça passe a monitorar suas
atividades, assim como faz – através do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) – com qualquer setor da economia que opera em
regime de monopólio legal. “É preciso desmontar o cartel do Ecad”, concluiu a CPI.
“O Ecad monopoliza apenas a arrecadação e distribuição de direitos autorais. A
lei não lhe conferiu o monopólio da fixação de preços.” O professor da Escola
de Artes e Ciências Humanas (EACH) da USP, Pablo Ortellado, está de acordo. “O
processo pelo qual o Ecad estabelece preços para a execução das músicas e
distribui o valor, definindo quanto vai para cada artista, é absurdamente não
transparente e arbitrário, criando todo tipo de distorção. Por isso há tantas
denúncias”, sustenta, avaliando que o PLS 129 vem justamente reverter essa
deficiência. “O texto que tramita pelo Senado busca uma modalidade em que os
criadores participem da gestão e o Ecad passe a ser supervisionado.”
Anacrônico
Criado por uma lei federal em 1973, o Ecad é
formado por nove associações e tem a primazia da gestão coletiva dos recursos
oriundos da exploração comercial dos direitos autorais no Brasil. Sua atuação
se limita basicamente à música: o órgão fiscaliza a execução pública de canções
em festas, eventos e meios de comunicação, cobra de quem faz uso das criações
musicais e repassa o dinheiro aos detentores de seus direitos autorais. Entre
janeiro e setembro de 2012, o Ecad arrecadou R$ 450 milhões. Em 2011, foram R$
540 milhões. Essa ostensiva movimentação financeira – aliada à
presença de grandes gravadoras nacionais e internacionais em cargos de comando
das associações que o compõem – tem levantado poeiras de desconfiança
em parte da classe artística sobre a atuação do Ecad. Articuladas, elas
conseguiram incidir no Congresso e decretar a instalação da CPI em 2011. Foi a
quinta investigação parlamentar já realizada no Brasil para averiguar as ações
do Ecad: outras ocorreram na Câmara dos Deputados (1995) e nas Assembleias
Legislativas de Mato Grosso do Sul (2005), São Paulo (2009) e Rio de Janeiro (2011).
“O que vemos uma sucessão de reclamações”, contextualiza Sérgio Branco,
professor da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV-Rio). “Apesar de
não ser um órgão público, pois é uma entidade privada sem fins lucrativos, o
Ecad exerce uma atividade de interesse público – e em regime de
monopólio. Portanto, não pode ficar à margem da fiscalização.”
Ministério
Além da pressão parlamentar, a tramitação do PLS
129 em regime de urgência – e sua possível votação pelo plenário do
Senado até o final da semana – são resultado da mudança realizada
pela presidenta Dilma Rousseff (PT) no comando do Ministério da Cultura (MinC).
A ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy assumiu a pasta em setembro definindo
a fiscalização do Ecad como uma das prioridades de sua gestão – as
outras são a elaboração de uma nova Lei de Direitos Autorais, a revisão da Lei
Rouanet e a aprovação do Vale-Cultura, que já passou em primeira votação pela
Câmara. “No momento em que eles são um monopólio, e eu não estou questionando
isso, eles têm que aceitar uma fiscalização. Essa decisão eu já tomei”,
asseverou a ministra em entrevista ao
jornal O Estado de S. Paulo. “O Ecad tem de existir, tem que ser um
órgão independente. Sei que eles fazem um esforço no sentido da arrecadação,
mas esse esforço também tem que ser feito no sentido da transparência.” A
ministra não está sozinha. “O Ecad exerce uma atividade extremamente relevante.
Um músico até pode gerir seus próprios direitos, mas, num país enorme como o
Brasil, é absolutamente impossível que uma pessoa faça sozinha esse
monitoramento”, reforça o especialista da FGV-Rio. “O que não pode acontecer é
o Ecad não ser fiscalizado.” Para Sérgio Branco, o desafio do sistema que
poderá emergir com a aprovação do PLS 129/2012 será aliar tecnologia e
transparência para mapear e publicizar o caminho dos recursos obtidos com a
arrecadação e distribuição dos direitos autorais. “A fiscalização precisa se
apoiar em plataformas tecnológicas que espelhem a realidade. E tem de informar
os artistas com a maior precisão possível quanto está sendo arrecadado e quanto
está sendo distribuído”, pontua. “A maior reclamação dos artistas é não
conseguir identificar com precisão como os valores são aferidos.”
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