sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Ética e transparência são valores escassos na atual política classista na Polícia Federal

Por Creusa Camelier*

É com misto de desencanto e decepção que temos assistido verdadeira simbiose entre a gestão pública de alguns cargos de confiança da Polícia Federal e a ocupação de cargos políticos em diretorias de entidades classistas. Tal situação fatalmente termina por criar caminho nebuloso onde se confundem o interesse público com os interesses de classe. Estes se propõem a batalhar por melhorias legítimas de seus filiados, quer no campo da negociação salarial, quer na área de convênios e outros benefícios que atraem com mais vigor os interesses dos entes do setor privado.
Não estamos fazendo nenhuma acusação de prática de desonestidade. Sabemos que nossos colegas, alvos dessas considerações, são pessoas honradas e que merecem todo o nosso respeito. Mas o problema não é esse. A questão de natureza grave que esta a requerer tomada firme de posição por parte de nós associados e, também de outro lado, a Direção-Geral do DPF, é que devemos nos conscientizar permanentemente de que estamos em plena democracia, que vivemos num regime de transparência política, onde a ética deve ser cultuada como um valor sagrado da nossa nação, principalmente na Administração Pública.
Desde a nossa reconstrução democrática iniciada com grande maestria no governo do ex-presidente José Sarney - e cultuada com intenso vigor nos governos que o sucederam, como o da presidenta Dilma Roussef -, que se estabeleceu que o diálogo seria o caminho mais adequado e promissor para um resultado democraticamente aceitável, quando o assunto são as negociações salariais envolvendo Governo e servidores públicos, representados pelas suas respectivas entidades classistas e sindicatos.
É notório que muitos integrantes das áreas políticas sensíveis do Poder Público são personalidades que tiveram larga experiência nas fileiras sindicais e, que, portanto, agora, no Governo, requeiram uma mesa, um fórum, numa salutar prática democrática  para o exercício das negociações salariais com os servidores do Executivo. Governo e servidores públicos sairiam com a certeza de que se dispuseram honestamente a fazer o melhor possível, onde todos teriam que ceder para todos ganharem dentro de um contexto político de respeito mútuo nas negociações salariais e outras reivindicações legítimas.
Pois sabemos que salário para os que exercem atividades de risco é vida, é suor, é sangue, razão por que o seu trato é coisa séria. E, quanto melhor estiver estruturado o aparelho policial atualizado com as novas técnicas cibernéticas e dispor de alta qualificação profissional, maior retorno a sociedade terá na segurança e paz pública.
Mas no caso particular da Polícia Federal, como estabelecer essa mesa de negociações? Pois uma das entidades de classe de grande porte, que representa os servidores dos cargos do topo da PF, tem em seus quadros de Diretoria Executiva e na sua Diretoria Administrativa, integrantes que ocupam cargos de confiança na Assessoria da Direção Geral do DPF. Como, então, viabilizar um  assento dessa entidade num fórum de debates por melhorias salariais se não há partes interlocutoras com credenciais políticas legítimas, pois todas estão do mesmo lado, sem interesses definidos, sem identidades posturais, sem o contraditório? Tanto Governo, nesse caso específico, como os dirigentes dessa entidade, da qual somos sócios, formam um só bloco. Não há condições dignas e éticas para se estabelecer diálogos para as reivindicações legítimas, tanto em prol da própria instituição quanto em relação aos seus integrantes.
Das duas uma: ou o Governo indiretamente, por intermédio da Direção-Geral do DPF, está dando aval a essa simbiose para nos fazer de "bobos amortecidos, de Maria vai com as outras", sem ânimo ou estratégia para negociações salariais e conquistas de outros benefícios que visam também o melhor aparelhamento do órgão (o que sinceramente não acreditamos), ou a entidade classista mantém o viés de confundir os seus alvos por parte de alguns membros de seu staff, com os possíveis interesses da Administração do DPF. E aí, que é o pior, pois se assim for, não sabemos ao claro quais interesses são defendidos.
Assim sendo, esse estado de coisas se constitui num grave desrespeito aos  servidores policiais, filiados à nossa entidade classista, que ao longo dos anos construíram e formaram a entidade com trabalho, dignidade, respeito, disciplina e ética, sendo este último valor transcendental que alcança os fundamentos da filosofia política das instituições policiais.  Sem falar no perigo desagragador de uma intriga fratricida pelo controle político entre os mais moços e os mais velhos, que pode campear a diretoria, fato que poderia anular a união de forças inteligentes para se construir algo memorável.
Poderia aqui citar exemplos com provas concretas que, por si só, traduziriam o desrespeito e o descaso que essa entidade vem dispensando aos anseios mais prementes de seus associados, tanto na área das negociações salariais, quanto na manutenção de diálogos permanentes com os parlamentares. No Congresso Nacional tramitam muitas propostas de  leis e de emendas constitucionais e, que algumas delas, poderiam mudar a história do nosso sistema de segurança pública para um melhor desempenho das forças que o compõem. Mas, devido a essa indesejada e prejudicial simbiose entre alguns cargos de confiança da Administração do DPF, jamais poderá se estabelecer um divisor de águas ético e independente que pudesse formar o verdadeiro perfil classista dessa associação. Algo que seria para o bem de todos os seus associados e melhor ainda para o Departamento de Polícia Federal.
Nesse contexto há muito nevoeiro para se chegar a um porto seguro. É de se esclarecer, ainda, que os interesses da Administração Pública não são antagônicos aos de seus servidores, em relação aos movimentos classistas. Muito pelo contrário. Mas é certo também que eles se não misturam, jamais.  “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro”. Mat. 6. 24.

*Creusa Camelier é presidente da Central Única Nacional dos Policiais Federais – CENTRAPOL e da Associação Nacional das Mulheres Policiais do Brasil – AMPOL -

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