quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Não há transparência sem fiscalização

Por Randolfe Rodrigues  e André Lazaroni (em “Tendências e Debates”, da Folha de S. Paulo de hoje)

Nossa intenção com as CPIs do Ecad é ir a fundo nos problemas que relatamos, o que não se confunde com a ideia de acabar com tal órgão 

Pesquisa realizada por Alexandre Negreiros, professor da UFRJ, revela que, entre 136 países, o Brasil é um dos 14 que, ao lado de nações como Quirguistão, Egito e Congo, não exercem fiscalização sob o processo de arrecadação e distribuição dos direitos autorais. No Brasil, o Conselho Nacional de Direitos Autorais foi extinto na década de 90. A partir dessa extinção, criou-se um vazio administrativo e institucional que se reflete nas inter-relações da classe artística com as associações, e destas com o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). Os resultados são incontáveis disputas judiciais. O Ecad é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, baseada na lei federal nº 5.988/73 e mantida pela lei nº 9.610/98; daí origina-se seu caráter de organização social, não de empresa privada. Portanto, é difícil entender por que existem nessa entidade "lucros" que muitas vezes são distribuídos entre sua diretoria executiva, enquanto há queixas de diversos compositores que reclamam o seu direito e não são atendidos. Atualmente, o Ecad é constituído por nove associações, mas apenas seis delas têm poder de voto em sua assembleia geral, que define os valores e as regras de arrecadação e distribuição dos direitos. Os depoimentos nas CPIs do Senado e da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro demonstram que associações que outrora fizeram parte do Ecad foram abruptamente excluídas ao questionar o seu funcionamento, sem maiores explicações e justificativas. Muitos são os motivos para investigar o Ecad. Citemos o caso do motorista de Bagé que "recebeu" cerca de R$ 130 mil sem, nas suas próprias palavras, "saber tocar nem uma gaita". Em depoimento na CPI, ele deixou claro que seu nome foi utilizado de má-fé em um esquema de falsidade ideológica para privilegiar quem se vale de "facilidades" para usurpar o dinheiro do compositor brasileiro. (...) Nossa intenção com as CPIs do Ecad é ir a fundo nos problemas que relatamos, o que não se confunde com a ideia de acabar com o Ecad ou com a arrecadação em torno dos direitos autorais no país. Pelo contrário, trata-se de defender os autores brasileiros, exigir transparência nos processos, defender um órgão com legitimidade para cobrar os inadimplentes e propor ao Estado uma instituição fiscalizadora que defenda os interesses da cultura nacional e de todos os que nela estão envolvidos. Como disse em recente depoimento na CPI do Senado o cantor e compositor Ivan Lins, "não há transparência sem fiscalização", e é isso que buscamos com os trabalhos das comissões. 


Randolfe Rodrigues é senador (PSOL/AP) e preside a CPI do Ecad no Senado. 
André Lazaroni é deputado estadual (PMDB/RJ) e preside a CPI do Ecad na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. 

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