terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Entrevista com o senador Gilvam Borges

“Juscelino Kubitschek não construiria Brasília hoje”

"A burocracia está atrapalhando que o setor elétrico do país possa se desenvolver"


Durante a semana, o senador Gilvam Borges (PMDB-AP) foi notícia pelo resultado de uma pesquisa de opinião pública do Instituto Triângulo Comunicação e Marketing, em que ele e o governador Waldez Góes aparecem como favoritos às duas vagas em disputa para o Senado Federal no próximo ano. Gilvam não alterou sua rotina de trabalho, tanto que ocupou a tribuna da Casa para protestar contra a demora na concessão de licenciamento ambiental para projetos hidroelétricos no Brasil, o que para ele tem se constituído em um "grande obstáculo para a expansão da capacidade de geração de energia elétrica de forma previsível e dentro de prazos razoáveis". A não-expansão, por sua vez, representaria séria ameaça ao crescimento econômico. Os principais trechos do acalorado pronunciamento são destaque nesta entrevista ao Diário do Amapá.

"Arrisco dizer que o país hoje vive um "paradoxo ambiental", porque a demora na concessão de licenças leva à construção de usinas térmicas, em sua maioria, muito mais poluentes. No caso específico do Linhão de Tucuruí, a demora na concessão de licença ambiental já atrasou a entrega da obra em um ano. "

Diário do Amapá - No pronunciamento que fez no Senado esta semana, o senhor foi buscar na história pontos para justificar respostas para o setor elétrico no país. Como foi isso?

Gilvam Borges - O literato e escritor Olavo Bilac já dizia que um país se faz com livros e homens, escolas e investimentos em educação. Para que um país possa enriquecer, podemos dizer que nós necessitamos de estradas, de uma malha viária reta, bons portos, bons aeroportos e uma infraestrutura básica para que possamos ter a chegada de grandes investimentos no País. O Amapá apresenta pelo menos três graves problemas no setor de energia elétrica, elemento decisivo na economia, o que faz desse item um dos mais preocupantes da nossa infraestrutura local. Inicialmente temos um problema de matriz energética.

Diário - Há números para que se possa expressar exatamente a demanda que o Amapá apresenta para esse setor?

Gilvam - Atualmente são produzidos no Amapá cerca de 230 mw/h, sendo que apenas 33% vêm da hidrelétrica de Coaracy Nunes, ou seja, de fonte renovável. Além da matriz excessivamente térmica e poluente, o volume produzido de energia mal atende ao consumo atual, sendo uma energia de má qualidade pelas constantes oscilações e interrupções a que estamos sujeitos.

Diário - Esse é um problema relacionado diretamente à Eletronorte. E com relação à Companhia de Eletricidade do Amapá, responsável pela distribuição?

Gilvam - O segundo problema é relacionado à distribuição, que é atribuição da CEA. A empresa enfrenta sérias dificuldades financeiras, tendo a Aneel já proposto a caducidade de sua concessão e havendo um forte movimento pela federalização. Finalmente, adicione-se o fato de não estarmos interligados ao sistema nacional, sendo o Amapá o último local com sistema isolado no Brasil. Isso mesmo. O Amapá é o último local com sistema isolado no Brasil.

Diário - Não fosse esse isolamento poderíamos estar em situação mais confortável como nessa época de verão itenso, não é mesmo?

Gilvam - Alenta-nos, porém, o fato de estarem em andamento vários projetos do setor, seja em aproveitamento do imenso potencial hidrelétrico do Amapá, seja na resolução definitiva do problema, que é a esperada integração por meio do Linhão de Tucuruí. Quando inaugurada a interligação, estará garantida a qualidade e a regularidade da oferta, além da economia de 800 mil litros diários de óleo diesel, com consequente redução da poluição, já que as termoelétricas serão desativadas.

Diário - Mesmo sendo um sonho, a interligação ao sistema nacional não é uma garantia de segurança para o Amapá, já que por lá também há registros de apagão...

Gilvam - A distribuição de energia no Brasil sempre foi um desafio que vem sendo energicamente atacado, na última década, com a participação de empresas privadas. O Brasil tinha 87.568 quilômetros de linhas no sistema interligado nacional em operação ao fim de 2008, o suficiente para ligar Lisboa a Moscou, segundo garante Nelson Hubner, Diretor-Geral da Aneel. O objetivo do Governo Federal, porém, é que o sistema elétrico do País esteja 99,6% interligado a partir de 2011, quando ficará concluído o Linhão Norte, Tucuruí-Macapá-Manaus.

Diário - E depois da interligação, o que muda com relação às perspectivas do Amapá neste cenário?

Gilvam -
A conclusão da ligação com o Norte aliada à saturação das bacias hidrográficas das demais áreas do País fazem da Região Amazônica a nova fronteira hidrelétrica do Brasil. O potencial amazônico de geração chega a 112 mil mw, mais do que o País produz hoje. Usinas hidrelétricas continuarão a desempenhar um papel predominante na matriz energética brasileira. Estima-se que, em 2015, elas serão responsáveis por aproximadamente 75% da eletricidade no Brasil.

Diário -
Mas no pronunciamento feito pelo senhor o alvo das críticas foram a burocracia e a morosidade dos licenciamentos ambientais. O que o senhor gostaria que mudassew

Gilvam - O licenciamento ambiental de projetos hidroelétricos no Brasil é considerado um grande obstáculo para que a expansão da capacidade de geração de energia elétrica ocorra de forma previsível e dentro de prazos razoáveis. A não-expansão, por sua vez, representaria séria ameaça ao crescimento econômico. O Governo Federal confirmou a aplicação de R$2,5 bilhões de investimentos, a partir de 2008, em obras no Programa de Aceleração do Crescimento – PAC – no Amazonas. Os dados constam do balanço do PAC divulgado pelo Governo que preveem a licitação do Linhão de Tucuruí (R$2,2 bilhões) para Manaus e Macapá.

Leia a entrevista na íntegra...


    Diário - E isto está demorando também?

    Gilvam - Ora, a oferta de energia elétrica é de suma importância para o fortalecimento da economia do Amapá e, sem um parque energético em condições que suprir a demanda, o Estado não terá como atrair empresas de grande porte para se estabelecerem em território amapaense. A saída, esperada há mais de duas décadas, é a construção do Linhão de Tucuruí, que irá passar pelos Estados do Pará, Amapá e Amazonas. A obra, um sonho acalentado por mais de vinte anos, é de suma importância para toda a Região Amazônica, especialmente para os produtores rurais, os agricultores e as empresas instaladas nos Municípios situados na margem esquerda do grande Rio Amazonas.

    Diário - Senador, voltando às perspectivas para o Amapá, o que essa maior oferta de energia poderá significar por exemplo para o setor da indústria?

    Gilvam - Garantida a energia, o Linhão de Tucuruí vai também garantir que empreendimentos novos previstos para o Amapá, como a Zona Franca de produtos regionais, chamada de Zona Franca Verde e a Zona de Processamento de Exportação sejam implementadas definitivamente. O Amapá, como já disse, é o único Estado do país isolado do sistema interligado nacional. A ligação ao sistema só será possível com a construção do Linhão de Tucuruí, obra privatizada, prevista para ficar pronta em 2012. O problema, que me levou à tribuna, é a demora na concessão da licença ambiental que ameaça o cronograma da obra e acarreta incalculáveis prejuízos ao povo e ao Estado. Ainda em 16 de outubro deste ano, o diretor-geral da Aneel, Nelson Hubner, afirmou à revista Exame que “o Brasil corre o risco de passar por um período de domínio térmico ao longo dos próximos três anos em razão da dificuldade na obtenção de licenças para usinas hidrelétricas”. No caso do Linhão de Tucuruí, o Ibama agendou para 16 de agosto deste ano a licença ambiental prévia para o início das obras. E a instalação estava acordada para o dia 16 de outubro. Depois, o Ibama disse que em 15 de novembro apresentaria a licença prévia e no dia 15 de abril de 2010 emitiria a licença de instalação.

    Diário - E isso ainda não aconteceu?

    Gilvam - Agora, o Ibama, uma vez mais, postergou a emissão das licenças. A licença prévia ficou para 28 de fevereiro de 2010 e a licença de instalação, para o dia 30 de junho do ano que vem. A verdade é que a demora na concessão de licença ambiental no Brasil é tamanha que o presidente Lula chegou a dizer recentemente que se o presidente Juscelino Kubitschek quisesse construir Brasília hoje teria dificuldades para obter licença ambiental até mesmo para pousar seu avião no Planalto Central. Ninguém subestima a importância desse processo. O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora do meio ambiente e possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão por meio da realização de audiências públicas como parte do processo. Essa obrigação é compartilhada pelos órgãos estaduais de meio ambiente e pelo Ibama como partes integrantes do sistema nacional de meio ambiente. O Ibama atua principalmente no licenciamento de grandes projetos de infraestrutura que envolvam impactos em mais de um Estado e nas atividades do setor de petróleo e gás na plataforma continental.

    Diário - O problema é que a vigilância internacional por conta da proteção ao meio ambiente é muito maior atualmente...

    Gilvam - As indústrias brasileiras estão conscientes da necessidade de adotarem práticas de gestão ambiental e pretendem ampliar seus investimentos destinados à proteção do meio ambiente. Não obstante, a grande maioria das empresas vêm enfrentando dificuldades na relação com os órgãos ambientais, face à necessidade de se cumprirem exigências ambientais, por vezes, inadequadas sob o ponto de vista da aplicabilidade técnica e dos aspectos de sustentabilidade econômica. E a demora, na concessão da licença é um caos e é um recibo passado da incompetência que nós exercemos principalmente nos órgãos públicos.

    Diário - Então a sua fala tem o objetivo de também buscar alternativas políticas para esse problema? Mais do que medidas meramente administrativas?

    Gilvam - O xis do problema está na falta de pessoal suficiente para agilizar as demandas de licença ambiental. E, se as licenças são emitidas pelo Ibama, parece-nos claro que é imperioso abrir concurso público para o ingresso de mais profissionais no Ibama. O que não podemos é travar o desenvolvimento com prejuízos para o conjunto da sociedade.

    Diário - Então, mesmo com o seu partido indicando o ministro das Minas e Energia, o senhor não está confiante em uma solução a curto prazo?

    Gilvam - Arrisco dizer que o país hoje vive um “paradoxo ambiental”, porque a demora na concessão de licenças leva à construção de usinas térmicas, em sua maioria, muito mais poluentes. No caso específico do Linhão de Tucuruí, a demora na concessão de licença ambiental já atrasou a entrega da obra em um ano. A previsão de término era final de 2011, agora já se fala em 2012. Há uma terrível ironia nesse processo. Com as restrições ambientais cada vez mais presentes, haverá ainda mais demora em se construírem hidrelétricas, e a opção pelas térmicas vai poluir ainda mais o meio ambiente. A utilização de combustível fóssil durante o período de construção do Linhão, obra cujo início já está paralisado, aguardando o sinal verde do Ibama, deverá provocar um prejuízo de cerca de R$2 bilhões. Eu pergunto: não será paradoxal se o movimento ambiental ajudar a sujar a matriz energética brasileira? É uma interrogação.

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