segunda-feira, 5 de julho de 2010

Papaléo Paes

Eleições e Mobilização Popular

O movimento popular pela moralização da política, de que resultou a proposição conhecida como “Ficha Limpa” acaba de nos dar uma lição – a todos os políticos, principalmente – e de apontar para uma nova direção na participação ativa dos eleitores na política. Mais que somente comparecer, a cada pleito, às seções eleitorais, o brasileiro começa a manifestar ativamente sua preocupação com a lisura de comportamento de seus representantes.
A importância dessa mobilização, enfim vitoriosa com a aprovação da lei no Congresso Nacional e com a decisão do TSE de fazê-la vigorar já para o pleito deste ano, não deve ser diminuída pela atitude cínica dos que pensam que, no fundo, nada mudará. Foi vencida a interpretação, aliás reacionária, segundo a qual se está a perpetrar uma violação do princípio jurídico da não-retroação da lei contra o réu. Não somente se trata de legislação eleitoral, e não penal: a possibilidade da busca de abrigo na imunidade parlamentar – muitas vezes disfarce da impunidade parlamentar – e do foro especial constitui, na verdade, um abuso do direito de plena defesa. Uma forma espúria de protelar condenações e de achincalhar a moral política.
É até lugar-comum a noção de que o brasileiro “não sabe votar” e de que somente participa na urna, esquecendo-se, em seguida, até dos nomes que acabou de sufragar. De fato, por inúmeras razões, ligadas à nossa legislação eleitoral, a nossa ainda incipiente experiência democrática e ao nível de informação de parte de nossa população, a atividade política parece distanciada do cidadão-eleitor. Políticos se afiguram, para muitos brasileiros, como existindo apenas durante as campanhas eleitorais, quando fazem promessas e concedem pequenas benesses em troca dos votos. No interregno entre eleições, ao longo das legislaturas, quando são notícia, é de caráter negativo: corrupção, defesa de interesses pessoais ou corporativos, nepotismo.
A discussão das formas de se aperfeiçoar a representação constitui o debate interminável da “reforma político-eleitoral”, com que se gasta papel nas publicações e a voz nos parlamentos, sem avanço. Interesses contraditórios de partidos, regiões e de indivíduos impedem a obtenção de consenso entre os membros do Congresso Nacional. Por isso, é saudável que iniciativas como a do “Ficha Limpa” partam dos eleitores, dos cidadãos cujos impostos sustentam o Estado e cujos interesses maiores somos trazidos até aqui para defender.
Entretanto, a população não deve, agora, dormir sobre os louros dessa conquista. Ao contrário, é necessário que se mantenha mobilizada para fiscalizar tanto nossa atuação no Congresso quanto a lisura do processo eleitoral. Cobrar dos partidos o cumprimento da Lei e dos tribunais eleitorais a punição de seus eventuais violadores.
Mobilização popular significa manter-se atento aos crimes eleitorais e, mais importante, significa denunciar às autoridades qualquer irregularidade. Democracia significa a prevalência da vontade da maioria do povo. Por isso, o eleitor é, em princípio, o elo mais forte do Estado de Direito. Mas, para exercer sua soberania, o povo precisa se manifestar continuamente, cobrando de governantes e parlamentares uma atuação condizente com seu papel de gestores da coisa pública e de representantes da população; dos tribunais, o processo expedito. Não pode permanecer alheio ao que acontece nos gabinetes, plenários e salas de juízo. O abuso do poder econômico, seja oriundo do controle do erário pelos que estão em cargo executivo, seja das posses dos que detém fortuna pessoal, deve ser confrontado diuturnamente pela população.
Não tenho ilusões de que o exercício pleno da cidadania possa ser efetivado enquanto muitos eleitores brasileiros seguirem vivendo no limiar da pobreza ou da miséria, na dependência do assistencialismo do Estado ou de benfeitores mal-intencionados. Não tenho ilusões de que, sem uma educação e uma saúde pública de qualidade, essas populações mais desassistidas possam, efetivamente, se mobilizar pela moralização da atividade política. Mas o que o episódio do envio do Projeto “Ficha Limpa” demonstra – como antes sucedeu com o movimento das “diretas-já” –, é que uma parcela ampla da opinião pública, conscientizada, pode e deve, em seu nome e no das massas, dizer aos governantes que não aceitam mais abusos.
É extremamente importante convocar os tribunais eleitorais – os TREs das 27 Unidades Federadas e o TSE – para o exercício imparcial de seu papel de fiscal das eleições. O princípio da independência entre os Poderes adquire, por ocasião das eleições, talvez seu caráter mais necessário e urgente. Nada pode ser pior que tribunais eleitorais sobre os quais os ocupantes do executivo tenham alguma influência ou injunção.
Com eleitores e juízes atuantes, tenho a certeza de que teremos pleitos limpos e de que serão empossados governantes e parlamentares comprometidos com a moralidade política e com os interesses da população.

Papaléo Paes é médico, ex-prefeito de Macapá e senador da República pelo Amapá

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